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quinta-feira, 16 de julho de 2015

Confira o artigo do professor Pio Penna

Paraguai: guerra injusta?

Pio Penna Filho*
 
O Papa Francisco, em recente visita ao Paraguai, afirmou que a guerra do Paraguai foi injusta. Sem dúvida, a guerra do Paraguai foi injusta, sobretudo com o povo paraguaio. Mas qual guerra pode ser considerada justa? O que é necessário para definir uma guerra como justa? Talvez o Papa tenha falado isso porque é um humanista e, por princípio, contrário a todas as formas de guerra.
É muito difícil afirmar que uma guerra é justa. Geralmente é aceito que um país tem o direito de se defender quando sofre uma agressão. Se for esse o caso para definir que uma guerra é “justa”, pelo menos em seu ponto de partida, então a guerra do Paraguai começou a partir de um ato de justiça, porque afinal o Brasil foi atacado por tropas paraguaias que, além de invadirem o território do país, assassinaram cidadãos brasileiros e saquearam propriedades por onde passaram.
Temos que parar com a vitimização do Paraguai em decorrência da guerra do século XIX. É bobagem e proselitismo barato dizer que o Brasil foi o malvado e o Paraguai, a vítima; o país bonzinho destruído pelo poderoso Império brasileiro.
Os paraguaios seguiram até o fim o seu líder supremo, o marechal Solano López, que arriscou a existência de sua pátria em nome de um objetivo político impossível de ser alcançado, que era impor os interesses do seu país ao Brasil por meio de uma medida de força. Aliás, a reabilitação histórica de Solano López é, no fundo, um despropósito, porque afinal foi ele o artífice de sua própria queda e da ruína do seu país. É esse tipo de líder ou herói que os paraguaios querem cultuar?
López teve o destino que mereceu. Suas próprias ações levaram a isso. Acusar o Imperador e os militares brasileiros de terem conduzido uma guerra injusta não faz o menor sentido, a não ser na perspectiva da vitimização de um país que foi vítima do seu próprio líder supremo. Não devemos, como brasileiros, portanto, ceder a esse canto da sereia do revisionismo histórico sem fundamento nos fatos.
É preciso, portanto, colocar a questão em perspectiva. Nesse caso, não há como mudar a História. O que aconteceu foi que o Paraguai, numa atitude insana, atacou o Brasil e a Argentina e pagou para ver. O que queria Solano López? Que o Império brasileiro recuasse e aceitasse a vontade política do Paraguai, intimidado por uma agressão militar? Ora, isso simplesmente não existe.
O Brasil exerceu o seu direito e, diria mesmo, sua obrigação de revide a uma agressão externa. E é sempre bom lembrar que quem se preparou para a guerra foi o Paraguai. Nem o Brasil e nem a Argentina pensavam em guerrear com o Paraguai, por isso o prolongamento do conflito, uma vez que os seus exércitos estavam despreparados para a guerra.
É verdade que a guerra atingiu um patamar absurdo de violência e que quem pagou o preço mais caro por ela foi o povo paraguaio. Mas qual guerra não é violenta? A violência é inerente à guerra. Acusações de crueldade em guerras são redundantes e, por vezes, são usadas como forma de denegrir a imagem de um dos atores por motivos políticos. Tão covarde quanto matar crianças em combate é colocá-las em combate, isso apenas para ilustrar um dos episódios mais criticados da guerra.
Portanto, a guerra do Paraguai foi injusta como todas as guerras são injustas. É preciso parar com esse proselitismo barato de que o Paraguai é o que é por causa do Brasil.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB),  Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Estratégicos do Exército Brasileiro (CEEEX). E-mail: piopenna@gmail.com

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Confira o artigo do professor Pio Penna

Prezados,
Segue o artigo da semana.
Att.,
Pio Penna




​Turbulências na China e repercussões no Brasil

Nos últimos anos a China foi alçada a uma categoria de destaque nas relações comerciais do Brasil, uma vez que aumentamos muito as nossas exportações para aquele país e começamos a criar uma espécie de dependência com relação ao seu mercado, sobretudo com as exportações de commodities. Ocorre que os chineses começam a enfrentar algumas dificuldades financeiras e econômicas e isso, certamente, impactará as exportações brasileiras para o gigante asiático.
Para uma economia como a brasileira que conta com fundamentos nada sólidos e com o país atravessando uma crise política que parece não ter fim, a situação é realmente preocupante.
Desde 2011 a China é o principal mercado para as exportações brasileiras e a sua importância em termos de investimentos diretos no Brasil vem aumentando consideravelmente. Uma crise prolongada na China, ou mesmo a desaceleração do seu crescimento econômico, algo esperado por muitos economistas, com toda a certeza afetará negativamente a economia brasileira.
A perspectiva de diminuição das exportações brasileiras para um mercado importante como o chinês, e ainda mais num momento difícil como esse para o Brasil, tem o potencial de atrasar a tão desejada e necessária recuperação econômica do país. E há que se notar, ainda, que não é possível redirecionar as exportações para outros mercados num curto período de tempo.
Assim, infelizmente o Brasil não tem muito o que fazer no curto prazo. A se confirmar um cenário de agravamento da crise chinesa, levará tempo para os exportadores brasileiros se adaptarem a essa nova conjuntura que, diga-se de passagem, já não é das melhores para alguns produtos de exportação que vem passando por uma depreciação dos seus preços no mercado internacional, como o minério de ferro.
É preciso observar que a luz amarela já está acesa e ela nos faz recordar uma lição importante em termos de comércio internacional, que é aquela que enfatiza a importância da diversificação de parceiros e de uma pauta de exportações mais variada, que não dependa tanto de alguns poucos produtos, sobretudo de commodities.
O governo brasileiro deve, portanto, retomar essa saudável prática o quanto antes, e buscar diversificar ao máximo os seus parceiros comerciais. A últimas viagens presidenciais, para os Estados Unidos e, mais recentemente, para a Rússia, são pontos positivos para um governo que passa a sensação de estar à deriva no mar revolto.  
Talvez as autoridades chinesas consigam mitigar os efeitos da crise e segurar a brusca queda nas bolsas, mas isso ainda é pura especulação. De toda forma, fica o alerta para as vulnerabilidades econômicas do país, que não são poucas. Embora a China seja um gigante econômico em movimento, precisamos ter consciência que mesmo economias fortes e inovadoras passam por momentos de crise.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Sansões contra a Rússia


Sanções contra a Rússia
                                                                                         Pio Penna * 

Diante da reocupação da Crimeia pela Rússia, vários governos passaram a anunciar a imposição de sanções contra o governo russo tendo em vista pressionar para que Moscou recue no seu plano de anexar o território. Seriam essas sanções suficientes para mudar o quadro atual e “desanexar’ a Crimeia, entregando-a à Ucrânia?
A sanção internacional é uma prática antiga. Trata-se de uma medida coercitiva, não militar e geralmente econômica, com o objetivo de fazer com que determinado governo mude o seu comportamento, seja em sua política doméstica, seja no plano internacional.
Sanções já foram aplicadas e continuam sendo aplicadas contra vários governos. Como exemplos podemos citar os casos de Cuba, Coreia do Norte, Iraque, Irã e a África do Sul, esta última durante o regime do apartheid. Outra característica é que geralmente sanções são aplicadas por Estados mais fortes contra os mais fracos.
Mas, as sanções funcionam? A resposta é que historicamente a sua eficácia é baixa ou quase nula. O objetivo de uma sanção – ou de um conjunto de sanções – é atingir o governo de determinado país e, com dito acima, fazê-lo mudar de comportamento. O grande problema é que como sanções são aplicadas contra governos “fortes”, eles costumam resistir muito bem a elas.
Esses governos acabam criando mecanismos de acomodação que lhes permitem resistir longos períodos, sem que, no fundo, tenham que se dobrar diante dessas imposições vindas de fora. Na verdade, geralmente as sanções acabam atingindo muito mais a população do país sancionado do que o seu governo.
Outro aspecto importante é que sanções dirigidas contra Estados bem estruturados e fortes com a Rússia resultam em impactos muito diferentes quando comparados a sanções impostas a Estados como Irã ou Cuba. Ou seja, a Rússia tem tudo para suportar bem as sanções que lhe serão impostas e ainda por cima pode se dar ao luxo de praticar a retaliação.
Parece claro, no caso atual, que a resposta dada à Rússia por meio da aplicação de sanções será inócua. É muito difícil imaginar resultados concretos a partir das modalidades de sanções que estão sendo aplicadas. Os russos parecem determinados a manter a anexação da Crimeia e prometem até mesmo retaliar o Ocidente caso haja uma escalada na aplicação de sanções.
Em suma, tudo indica que o chamado Ocidente (leia-se Estados Unidos e seus aliados mais próximos, principalmente europeus e japoneses) não conseguirá mudar o comportamento da Rússia com relação à Crimeia. E há ainda mais por vir, haja vista que o recrudescimento contra a Rússia pode levar a mais turbulência em outras regiões da Ucrânia e talvez em áreas mais distantes (Síria e Irã, por exemplo).
O endurecimento contra a Rússia, no caso da Crimeia, tem tudo para ser muito mais negativo do que positivo. A Rússia é uma potência militar que já foi colocada à prova em outros momentos de sua história e simplesmente, na atual conjuntura, a opção militar não existe. E, como dito, as sanções também serão ineficientes. A Crimeia é, portanto, um caso perdido (para a Ucrânia e para o Ocidente, é claro).


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* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

sábado, 15 de março de 2014

O drama dos refugiados


O Drama dos Refugiados

Pio Penna Filho *


Existem hoje milhões de pessoas vivendo em campos de refugiados espalhados por vários continentes. São pessoas que geralmente perderam tudo e conseguiram, a duras penas, salvar as suas vidas se deslocando para locais distantes das zonas de conflito. Esse é um drama pouco mostrado pela imprensa e que a maior parte das pessoas desconhece ou não quer nem tomar conhecimento.
No Brasil, por exemplo, o tema refugiados não costuma comover as pessoas, a não ser, é claro, aqueles que se dedicam diretamente ao problema, recebendo e tentando resolver a situação dramática de quem teve que partir de sua terra para não morrer. Na verdade, temos poucos refugiados em nosso país. Poderíamos, sem dúvida, ter uma participação mais ativa para ajudar a minorar o sofrimento de milhares de pessoas.
A África é o continente mais afetado quando o assunto é refúgio. Quando um país passa por uma guerra civil – e, infelizmente, isso ainda é muito frequente no continente africano – rapidamente muitas pessoas são obrigadas a partirem para outra região do seu país (esses são chamados de “deslocados”) ou para o exterior, o que caracteriza o status de refugiado.
Enquanto escrevo essas linhas, existem milhares de pessoas sendo atendidas em campos de refugiados por Organizações Não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, em países vizinhos a regiões de conflitos. É o caso, por exemplo, do que ocorre nos Camarões, um dos países que recebe refugiados da guerra na República Centro Africana.
Outro exemplo dramático, que se constitui hoje como o caso que apresenta o maior número de refugiados no mundo, é o da Síria. Um dos efeitos da sua longa guerra civil foi o deslocamento de milhares de sírios em direção a países vizinhos, como Iraque, Turquia e Jordânia, e isso sem contar que milhares de sírios foram também para outras partes do mundo, em países muito distantes, como o próprio Brasil.
Não existe solução mágica para esse problema. A ONU, por meio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), faz o que pode, mas suas iniciativas são sempre insuficientes. Muitos governos também ajudam, mas nenhum deles prioriza o atendimento a refugiados, que em alguns casos são percebidos até mesmo como problema de segurança nacional. Na linha de frente, geralmente o apoio vem de Organizações Não-governamentais, que realizam um trabalho humanitário fantástico, apesar de muito perigoso.
A vida de um refugiado é repleta de dor e sofrimento e leva-se um enorme tempo até que a vida entre nos eixos novamente. O instinto de sobrevivência e as duras condições de uma situação de conflito fazem com que as pessoas passem por privações de toda ordem, se deslocando em situações de perigo, passando fome, contraindo doenças e traumas que muito dificilmente serão superados.
Podemos fazer mais a respeito do drama dos refugiados. Como país emergente o Brasil poderia e deveria ser mais ativo e acolhedor com os refugiados que o procuram. Como pessoas, podemos também fazer muito, ajudando mesmo que modestamente o heroico trabalho desenvolvido pelas Organizações Não-governamentais que atuam na linha de frente, trabalhando arduamente para amenizar esse drama humano nas condições mais adversas.


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* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Confira o artigo da semana

Genebra 2 e a Síria
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Durante essa semana vários países estão reunidos em Montreux (Suíça) para tentar pelo menos encaminhar uma proposta que sinalize para a paz na tumultuada Síria. A Conferência é pelo menos um passo adiante, diante de tantos recuos verificados desde que a ONU iniciou suas tentativas de solução para a crise síria. Infelizmente, contudo, persistem muitos dilemas e dificilmente uma solução definitiva será encontrada durante esse encontro que está sendo chamado de Genebra 2.
As divergências políticas são enormes. No plano interno, governo e rebeldes trocam acusações de variados crimes de guerra e continuam falando línguas diferentes. Sabem que a guerra tem que ter um fim, haja vista o elevado custo humano e econômico que está solapando o país. Como nenhum dos dois lados demonstrou ter força suficiente para subjugar o outro, o diálogo é imperativo e não apenas uma alternativa. Ou seja, mais cedo ou mais tarde, eles terão que conversar e fazer concessões mútuas.
No plano regional as divergências também permanecem. Não há entendimento entre os atores que prestam apoio a um e outro lado. Pelo menos até o momento todos se mantem muito ativos em prestar todo tipo de ajuda aos seus “aliados”, seja por meio do fornecimento de armas, tropas ou dinheiro, o que, convenhamos, só faz prolongar a guerra e o sofrimento do povo sírio. Nesse sentido, dois países ganham destaque, embora não sejam os únicos envolvidos no conflito (Irã e Arábia Saudita).
No plano internacional, mais divergências, sobretudo entre os Estados Unidos e a Rússia, sendo que esta se tornou uma espécie de protetora do regime de Bashar al Assad. Os Estados Unidos sabem que não querem a continuação do regime, mas demonstram preocupação com o que pode acontecer com a queda de Assad.
Para os norte-americanos, pior que o atual governo seria uma Síria dominada por grupos radicais islâmicos, à maneira dos talibãs no Afeganistão. Ou mesmo uma Síria dividida, com algum grupo ou grupos dominando determinada parte do país. É bem provável que o governo Obama tenha levado altamente em consideração esse aspecto ao não promover uma intervenção direta meses atrás, mesmo que de forma limitada.
Em Genebra 2 existem posições aparentemente inflexíveis, tanto da parte dos atores sírios diretamente envolvidos no conflito, como dos seus apoiadores externos. Caso elas sejam mantidas, não há muita chance para a paz. Se os insurgentes não aceitarem um arranjo político que, de alguma forma, seja interessante para Bashar al Assad, mesmo que esse tenha que sair do governo, dificilmente haverá um ponto de chegada. Por sua vez, se o governo não aceitar a inclusão dos insurgentes em um eventual governo de transição ou outro acordo qualquer que contemple interesses relevantes para eles, a negociação também tem tudo para empacar.
A Conferência ainda não chegou ao fim, mas não é preciso ser profeta ou adivinho para saber que é praticamente impossível que ela redunde em um sólido, ou mesmo precário, acordo de paz. O que está acontecendo em Montreux é apenas um passo adiante num terreno absolutamente instável, mas de toda forma é um passo à frente.
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Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Confira o artigo da semana do historiador Pio Penna Filho

Perspectivas para 2014


Tudo indica que assistiremos em 2014 a continuidade de vários conflitos e, possivelmente, o início de vários outros. O mundo não é um lugar pacífico desde tempos imemoriais, embora existam regiões menos violentas espalhadas pelo mundo. Dentre as regiões da periferia, talvez a América Latina e, em especial, a América do Sul, continue sendo uma das mais tranquilas do mundo, mas mesmo por aqui existem conflitos.
O ano mal começou e assistimos ações terroristas na Rússia e no Iraque, país que vive uma realidade muito distante daquela prometida pelos Estados Unidos quando da sua invasão decidida por George W. Bush. Mais violência na China, no Líbano, na República Democrática do Congo, na Cisjordânia, na República Centro Africana, na Síria e por aí afora vai.
A Ásia continua sendo uma região instável e repleta de atores poderosos, com a tensão se expandindo e retraindo a cada momento. O problema da Ásia é que um conflito naquela região fará surtir seus efeitos em várias partes do globo, principalmente em termos econômicos. E há ainda o perigo das armas nucleares: dos nove países detentores de armas nucleares, quatro se encontram na Ásia e eventualmente se estranham (China, Índia, Paquistão e Coreia do Norte). Além desses, outras duas potências nucleares convergem para aquele continente: Estados Unidos e Rússia.
O chamado terrorismo internacional, principalmente de natureza fundamentalista islâmica, será outro fator de conflito mundial que permanecerá ativo em 2014 e, provavelmente, ainda por muitos anos. A “Al Quaeda” e outros grupos terroristas seguem ativos e se adaptando à guerra assimétrica contra as grandes potências, ocidentais ou não. Veja-se os casos da China e da Rússia, que não conseguem debelar movimentos político-religiosos de minorias em seus territórios.
2014 provavelmente não trará grandes mudanças nos impactos ambientais provocados pelos humanos sobre o planeta. E isso, por si só, já se constitui num grande problema com enorme potencial para provocar conflitos pelo mundo afora. À medida que aumentamos o aquecimento global e os impactos sobre o meio ambiente e não pensamos e, principalmente, não agimos de forma sustentável, muitas áreas do planeta começarão a sentir mais profundamente os impactos dessa nova realidade. Isso resultará em disputas por territórios e recursos e produzirá também novos fluxos de refugiados, todos elementos com grande potencial de despertar novos conflitos.
O ano é novo, mas os problemas são velhos. A comunidade internacional costuma ser muito lenta no enfrentamento dos conflitos gerados pelos humanos. Organizações internacionais como as Nações Unidas são muito importantes, porém são limitadas em termos de recursos e poder. Ainda vivemos num mundo em que a vontade do mais forte prevalece em boa parte dos casos.
Não há muito o que esperar de 2014 no sentido de grandes mudanças para a humanidade. Continuaremos vivendo num mundo repleto de conflitos e de potenciais conflitos e é importante que nossos governantes tenham consciência disso. Por mais pacifista que seja um país, como é o caso do Brasil, os seus governantes devem zelar para que o seu povo esteja preparado para a realidade que vivemos.
 
 
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Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
 

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O Julgamento de Mohammed Mursi

O Julgamento de Mohammed Mursi

                                                                          Pio Penna Filho
 
O ex-presidente egípcio, Mohammed Mursi, e vários outros dirigentes da Irmandade Muçulmana, estão sendo processados pela justiça do Egito tendo como acusação a culpa pela morte de diversos manifestantes quando da violenta repressão aos protestos ocorridos em dezembro de 2011.
Mursi foi deposto pelos militares egípcios que retomaram o controle do país após uma brevíssima experiência democrática que durou cerca de um ano (Mursi governou de junho de 2012 até o início de julho de 2013). A oposição ao governo alegava que a Irmandade Muçulmana estava conduzindo o país ao radicalismo islâmico, e que se aproximava velozmente para uma feição teocrática.
É curioso notar que as vozes que se levantaram contra o governo acusavam-no de tirania religiosa. Ou seja, em nome da democracia, pavimentaram o caminho para a falência da própria democracia.
Poucos golpes militares são tão facilmente tolerados pelos países ocidentais (leia-se Estados Unidos e Europa) como os que ocorrem em países islâmicos. É como se tivéssemos dois parâmetros “democráticos”. Em alguns lugares, a supressão da democracia se justifica em nome da própria democracia. No fundo, o que está em jogo é a repulsa aos valores ocidentais expressos por um contingente considerável da população islâmica ao redor do mundo. Os valores democráticos, nesse caso, são muito relativos.
A acusação aos dirigentes da Irmandade Muçulmana e ao próprio ex-presidente de conivência com o assassinato de manifestantes é um tanto exagerada. Outras manifestações que sucederam ao golpe militar foram também marcadas por extrema violência, inclusive com a morte de muitos manifestantes. Mas, nesse caso, como era de se esperar, os atuais dirigentes não foram acusados de conivência e, muito menos, processados.
Desde a explosão de manifestações populares contra os regimes ditatoriais de partes do Oriente Próximo e do Norte da África, conhecidas popularmente como “Primavera Árabe”, criou-se uma enorme expectativa com relação à possibilidade da implementação de maior participação da sociedade nos assuntos políticos dos países dessa região. Entretanto, não foi exatamente isso o que aconteceu.
A história política recente da maior parte desses países é de pouca abertura política e muita repressão. Não é possível alterar esse quadro de uma hora para outra, haja vista que a cultura política local é de baixa participação da sociedade e há, ainda, o fator religioso, que torna a questão da democracia à maneira “Ocidental” ainda mais complicada.
O fato é que houve um grande revés no processo de abertura política do Egito com a volta dos militares ao poder. Nenhuma democracia nasce pronta e os percalços da experiência democrática, com acertos e erros (às vezes mais erros) em processos eleitorais é inerente a esse tipo de regime político. Os egípcios, assim como qualquer outro povo, só aprenderão e assimilarão valores democráticos a partir do momento em que a vontade da maioria, expressa na consulta eleitoral, for respeitada. 

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Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Pio Penna Filho comenta a utilização de armas químicas nos conflitos armadas recentes

Armas Químicas 

Pio Penna Filho

 
A guerra civil na Síria mostrou ao mundo, com imagens e vídeos, os horrores provocados pelas armas químicas. O assunto ficou ainda mais em evidência porque a Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq), sigla até então pouco conhecida, ganhou o prêmio Nobel da Paz de 2013.

O prêmio chegou num momento oportuno, haja vista que a Opaq está encarregada de desempenhar aquela que talvez seja a missão mais difícil e complexa desde a sua criação, em 1997, que é a de identificar e destruir os arsenais de armas químicas da Síria, e isso em plena guerra civil.

Desativar arsenais de armas químicas não é uma tarefa simples nem em tempos de paz. Não é à toa, por exemplo, que Estados Unidos e Rússia estejam ainda muito longe de concluir o trabalho de eliminação de seus arsenais. Existem dificuldades de diversos tipos, que vão desde a eliminação propriamente dita das armas como também as fontes de financiamento para tal.

No caso da Síria, mas que no fundo se reproduz em vários outros casos, existe sempre uma reticência dos governantes em aceitar abrir mão de todos os arsenais químicos. A desconfiança como relação às ações de outros Estados não ajuda em nada para que os governos se comportem de acordo com o protocolo internacional de eliminação completa desse tipo de armamento.

Poucos países não assinaram ou não chegaram a ratificar a Convenção sobre Armas Químicas, que tornou ilegal a utilização de gases tóxicos e métodos biológicos para emprego bélico. Os países que não assinaram o protocolo são os seguintes: Coreia do Norte, Angola, Egito e Sudão do Sul. Já Mianmar e Israel assinaram, mas não ratificaram a Convenção. Ou seja, para todos esses países citados, pelo menos em tese a Convenção não se aplica.

É curioso também notar que apenas sete países que fazem parte da Opaq admitem possuir armas químicas. São eles: Albânia, Índia, Iraque, Líbia, Rússia e Estados Unidos. O sétimo membro é um país “oculto”, isto é, que solicitou formalmente não ser divulgado o seu nome. Mas todas as suspeitas recaem sobre a Coreia do Sul, principalmente pelo estado de guerra latente com a Coreia do Norte, detentora explícita de arsenais químicos.

Há que se ressaltar também que as grandes potências, Estados Unidos e Rússia, não vem dando o devido exemplo para a comunidade internacional. Ambas se comprometeram em destruir os seus arsenais até o ano de 2012, mas admitem que ainda estão muito longe dessa meta.

O fato é que as armas químicas são verdadeiros pesadelos para a humanidade. Isso ficou claro desde a primeira vez em que foram utilizadas, ainda durante a Primeira Guerra Mundial, em 1915. Enfim, o prêmio Nobel do ano de 2013 foi um dos mais acertados de toda a história. Como dito anteriormente, vem em momento oportuno e repleto de significado pelos horrores do emprego deste tipo de armamento no atual conflito da Síria.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Pio Penna Filho comenta a guerra da Síria

A Guerra da Síria

Pio Penna Filho

 

Vem aí a Guerra da Síria. A guerra civil está prestes a se tornar uma guerra com envolvimento direto de outros países, especialmente Estados Unidos e França, que são os que se mostram mais decididos a iniciarem bombardeios contra alvos sírios. Não há como prever, a partir do início dos ataques, quanto tempo levará para que uma coalizão maior se forme e, eventualmente, parta para uma escalada militar contra o governo de Bashar al-Assad.

O argumento utilizado pelos que desejam bombardear a Síria é que o governo teria realizado ataques com armas químicas e, portanto, deveria ser devidamente punido. De fato, todas as evidências indicam que armas químicas foram usadas na Síria, porém, não há como saber, pelo menos por enquanto e com certeza absoluta, quem foi o responsável pelo ataque, se o governo ou se os rebeldes.

Os Estados Unidos e parte dos seus aliados europeus estão convictos de que foi o governo. Naturalmente, tendo em vista a desproporção entre os recursos à disposição do governo sírio e os rebeldes, tudo indica que tenha sido mesmo o governo a usar esse tipo de armamento contra a sua própria população, e não apenas uma única vez.

O problema é que a credibilidade dos Estados Unidos não é das melhores. Basta lembrar, por exemplo, o falso argumento usado para defenestrar do poder Saddam Hussein (que o Iraque teria armas de destruição em massa e era, portanto, uma ameaça para o mundo).

Enquanto isso, as Nações Unidas despacharam para a Síria uma missão com o objetivo de averiguar in loco a situação. O problema é que essa missão não reuniu todas as condições necessárias para um veredito final sobre a questão. É bem provável que o resultado oficial seja que, de fato, houve a utilização de armas químicas na guerra, mas sem precisar quem as teria usado.

A resistência contra a anunciada intervenção militar norte-americana é grande. Rússia e China, que possuem poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, já disseram que são contra o ataque à Síria. Representantes dos dois países afirmaram que irão vetar qualquer proposta de Resolução no Conselho de Segurança que autorize ataques à Síria.

O uso de armas químicas é um crime, sem dúvida. O uso desse tipo de armamento é condenado pela maioria dos países, sendo que poucos não assinaram a Convenção de Paris de 1993 que proibiu a preparação, fabricação, armazenamento e utilização dessas armas.

Foi a Primeira Guerra Mundial que chamou mais a atenção do mundo para os efeitos perversos das armas químicas. Utilizadas inicialmente pela Alemanha em 1915, logo outros beligerantes daquela guerra começaram também a produzir e usar armas químicas. Mas a impressão negativa foi tamanha, tanto entre os combatentes como entre a população civil, que as grandes potências não a utilizaram mais umas contra as outras na Segunda Guerra Mundial.

Uma intervenção militar norte-americana limitada fará pouca diferença para os rumos da guerra na Síria. Como o governo Obama está recalcitrante mesmo quanto a um ataque limitado, tudo indica que a situação só tende a se agravar para a população síria, já por demais penalizada pela brutalidade de uma guerra que já ultrapassou todos os limites.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Pio Penna Filho comenta o big brother de Barack Obama

Espionagem e Terror

 Pio Penna Filho

Duas das democracias mais consolidadas do mundo vem abusando insistentemente da espionagem indiscriminada em nome da guerra ao terror. Aproveitando-se do fato de que vivemos numa sociedade da informação e do alto grau de conectividade digital dos tempos atuais, Estados Unidos e Inglaterra uniram esforços para construir uma vasta rede de espionagem contra pessoas espalhadas pelo mundo.
Causa espanto o fato de que as denúncias contra tal estado de coisas tenham sido, pelo menos até o presente momento, muito tímidas. Poucos governos até agora protestaram contra essa prática que nos lembra a ação de uma espécie de “big brother” e que até pouco tempo atrás era imediatamente associado a estados totalitários.

EUA espionam o mundo
Não fosse a ação da organização WikiLeaks e de um ou outro funcionário do governo norte-americano suficientemente consciente e corajoso para tornar público a invasão do privado pelas práticas autoritárias dos democratas dos Estados Unidos e da Inglaterra, dificilmente teríamos consciência da extensão da espionagem dos governos desses países.
Tradicionalmente, e com exceção de governos ditatoriais, a espionagem costumava ter endereço certo, ou seja, era dirigida contra determinados governos e organizações consideradas potencialmente perigosas para os interesses deste ou daquele Estado. Não é mais o que se vê. Agora, somos todos suspeitos.
Nossas mensagens de e-mail e conversas telefônicas estão sendo submetidas ao crivo dos agentes/espiões dos Estados Unidos e da Inglaterra, sem o menor pudor. Sociedades espalhadas pelo mundo encontram-se sob vigilância indiscriminada e esses Estados coletam informações permanentemente, sejam elas relacionadas exclusivamente à nossa vida privada, sejam elas associadas a posições políticas.
Algo está muito errado e é preciso reagir. É bom lembrar que o dedo acusatório dessas duas grandes potências até bem pouco tempo atrás era dirigido contra regimes autoritários que agiam da mesma forma.
Esse tipo de prática não costuma terminar bem. A história nos mostra que governos que tentam controlar as suas sociedades enveredam por caminhos sinuosos e, acima de tudo, contrários à prática da boa democracia. De boas intenções, o inferno está cheio, como diz um sábio ditado popular.
Ou reagimos ou sucumbiremos. Não se trata de ficar apenas à espera da reação das sociedades dos dois países espiões. Eles não estão vigiando apenas os seus cidadãos, o que já seria um absurdo. Os seus tentáculos espalharam-se pelo mundo sem fronteiras da sociedade em rede. É preciso dar um basta nisso enquanto ainda é tempo.

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*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Pio Penna aborda a questão da fome na Coreia do Norte

Fome na Coreia do Norte 
Os norte-coreanos estão prestes a reviver um dos seus piores pesadelos dos anos 1990, qual seja: uma nova crise alimentar. O belicoso regime da dinastia dos Kim não consegue nem produzir e nem tampouco comprar alimentos para abastecer a população do país, já por demais sofrida com a quase absoluta falta de libe...rdade.
 
No Brasil pouca gente sabe, mas na segunda metade da década de 1990 a escassez generalizada atingiu de forma mortal aproximadamente um milhão de pessoas (as estatísticas variam muito, indo de seiscentos mil a dois milhões e meio de mortos) Essa gente morreu lentamente, em decorrência da fome, que chegou de forma gradativa.
Relatos dos sobreviventes que conseguiram fugir do país em direção à China e à Coreia do Sul traçam um quadro dramático, no qual as pessoas iam definhando e se transformando em cadáveres vivos, até sucumbirem por inanição. Literalmente, não havia o que comer em várias partes do país, principalmente nas cidades do interior.
A grande fome dos anos 1990 veio na sequência da crise do socialismo, com a extinção da União Soviética e as mudanças no regime chinês, que até então, junto com o desbaratamento dos demais países do bloco socialista, deixou a Coreia do Norte órfã e praticamente isolada do resto do mundo (assim como aconteceu, parcialmente, com Cuba).
O colapso econômico e a disposição belicosa do governo levou a uma crise interna profunda. O desemprego explodiu e a economia do país retrocedeu. Os parcos recursos do Estado foram empregados para manter os privilégios da alta cúpula do Partido dos Trabalhadores, a máquina militar em funcionamento e o estrito controle da sociedade.

O país entrou num ritmo totalmente descompassado com a modernidade e caminhou em direção ao passado. A maior parte das fábricas foram fechadas e a Coreia do Norte escureceu. Quando se observa uma foto de satélite tirada a noite nota-se, assombrosamente, o contraste da escuridão do país com o brilho de vizinhos imponentes, como a Coreia do Sul, o Japão e a China.
As perspectivas atuais não são nada boas para o povo norte-coreano. Aparentemente passou o temor de uma guerra, mas o espectro da fome está presente, talvez tanto quanto na década de 1990. Portanto, mais uma catástrofe humanitária à vista.

Confira o artigo do professor Mércio P. Gomes

Por que(m) os jovens protestam

Mércio P Gomes
Antropólogo, professor do HCTE-UFRJ
Fotos: Cortesia Katja Schirilò

É evidente que não é (essencialmente) por causa do aumento da passagem de ônibus, nem tampouco contra os pais ou contra as injustiças do país.

Ontem, dia 13 de junho, participei, um dentre algumas dezenas de coroas, da passeata que saiu do Largo da Candelária até a Cinelândia e de lá até a ALERJ e depois pela Presidente Vargas até a Central do Brasil. Participei acompanhando, batendo palmas e observando, em zigue-zague, os milhares de jovens que, auto-conscientes de suas vidas e de suas paixões, marchavam em alegre, mas contida, manifestação a propósito do aumento das passagens de ônibus. No fim da passeata encontrei meu filho de 18 anos, junto com outros colegas, todos em suas primeiras passeatas, já correndo das bombas e balas de borracha da policia. Um deles foi atingido quase no olho, tal qual a jornalista de São Paulo, soube depois.

Em certo momento divaguei que estava na passeata a favor das Diretas Já, em 1984, tal a festiva e distencionada atitude dos manifestantes. Melhor ainda: não havia um político comandando as massas, uma esperança ilusória de mudanças políticas, uma bandeira de fé. Os pequenos partidos políticos de retórica esquerdista estavam por lá, com suas bandeiras e suas tentativas de controlar, mas eram poucos militantes e não comandavam a massa. Todos pareciam saber que estavam tão somente ensaiando para algo que ainda não sabem o quê é e em quê vai dar, mas que almejam alcançar.

 Quase todo mundo tinha menos de 30 anos, estudantes universitários e colegiais. Uns engravatados e umas vestidas de executivas desceram dos seus escritórios para acompanhar, meio embevecidos, alguns um tanto emburrados. Não havia corre-corre, nem empurrões, ninguém perdeu um chinelo no meio da multidão, não se bateu carteira, não rolava bebida, apenas um leve cheiro de erva aqui e ali, quase nenhum momento de azaração. Dois casais se beijavam na boca, sendo um de mulheres. Um único cabeção estorou em frente a um banco e alguns soltavam fraquíssimos foguetes de São João e até as infantis estrelinhas. Já se aproximando da Cinelândia, vi alguém embebendo um chumaço com algum liquido, mas logo constatei que estava tão-somente molhando sua máscara cirúrgica com vinagre. Dizem que para amenizar os efeitos do gás lacrimogêneo.


Caminhavam em grupos de rapazes e moças, certamente colegas, que se abraçavam com outros grupos, de outros colégios ou faculdades, ou conhecidos de redes sociais. Sim, as redes sociais funcionaram no chamamento à passeata.

Tudo parecia improvisado. Os cartazes empunhados por moças e rapazes, alguns com máscaras do farsante, eram de papelão com dizeres em lápis coloridos que mal se enxergava a dez passos de distância. Serviam para os amigos e os fotógrafos documentarem suas ousadias.

Um carro de som se arrastava no meio da multidão puxando as rimas e palavras de ordem. “Se a passagem não baixar, o Rio vai parar”, “Ô, ô, ô, Cabral é ditador”, “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. E o mais esperançoso: “Ô, ô, ô ... o povo acordou”. Em algum momento uma equipe da rede Globo foi encurralada na portaria da Caixa Econômica, e a Globo foi associada, numa rima engraçada, ao seu antigo apoio à ditadura.

Não havia palhaçada, gaiatices, nem palhaços, nem figuras esdrúxulas, como nas passeatas políticas da década de 1980. Nenhuma brincadeira de mau gosto, tampouco. Senti falta das figuras populares, das vestimentas extravagantes, do protesto escrachado; apenas as carrocinhas de cachorro-quente e refrigerante demonstravam que o povão estava presente, a trabalho.

Ao chegar na Cinelândia percebeu-se que a multidão estava compacta e era expressiva, quem sabe umas dez mil pessoas. E não se soube mais o quê fazer, como concluir o acontecimento. Ninguém para fazer um discurso de glória pela manifestação pacífica e orgulhosa, para fazer novos encaminhamentos, para chamar a novos propósitos. Faltou o gozo. O carro de som não podia subir nas calçadas da Praça da Câmara Municipal e virou pela Evaristo da Veiga rumo à ALERJ. Lá deu-se o momento de espetáculo, mas não da glória da passeata, ao subir as escadeiras do Palácio Tiradentes e se agarrar à estátua que adorna a Assembleia Legislativa. Mas nenhuma jovem ousou desfazer-se da blusa e do alto do pedestal empunhar a bandeira da liberdade. Pudor e acanhamento, mas falta muito ainda para a glória ressurgir.

 Até aí a policia olhava de uma distância regulamentar, aceitável para todos, que não denotava provocação. Os manifestantes apenas registravam sua presença em fotos, até deles próprios de costas para o símbolo da repressão. Porém, ao se dirigir pela 1º de Maio e dobrar para a Getúlio Vargas, começou a fuleragem. Sacos de lixo foram chutados e rasgados e um grupo de umas 30 pessoas saiu quebrando algumas vitrines, grafitando muros e destroçando as paradas de ônibus. A polícia se eriçou e a porradaria começou.

Foi quando a TV Globo interrompeu sua malsinada novela de fofocas sobre quem é pai de quem, para mostrar as cenas de vandalismo da multidão e demonstrar sua falta de compostura. E provar que tudo não passa de jovens descomprometidos com a realidade do país, sem razão e sem motivos.

Eis o busílis da questão. Há quem ache que tudo não passa de desventuras fúteis o que os jovens estão fazendo. Os noticiários televisivos nos levam a crer que é isso mesmo. Mas uma pesquisa da DataFolha de hoje mostra que mais da metade da população está a favor das manifestações dos jovens indo às ruas. Por que será?

Tem algo no ar que não pode ser desmerecido por comentários derrisórios de jornalistas de plantão e análises superficiais de sociólogos acadêmicos. Uns acham que é ato inconsequente de jovens mimados, falta do quê fazer; outras, que é gente incapacitada para o diálogo. Por que uma comissão de jovens não dialoga com o prefeito? Aos que os jovens desaforadamente respondem: “Como pode haver um diálogo entre o c... e a p...?”

Não se dialoga com a máquina da modernidade líquida, como poderia dizer Zygmunt Bauman. O diálogo sempre é falso e se dá em condições de poder do mais forte e com propósitos farsantes. A máscara do farsante cai bem a propósito da ironia dos jovens.

O Brasil – e alguém diria, o mundo – parece ter virado uma farsa cheia de mentiras, conversa mole, enganações e espetáculos. O derramamento de dinheiro para a Copa, para as Olimpíadas, se contrasta com as ruas esburacadas, com os estádios mal feitos, com as leis ridiculamente draconianas, com as sempiternas filas de hospitais, com a educação às aparências sem sentido, com o trânsito ruim demais, os trens cheios e demorados, com os ônibus – sim, os ônibus e as passagens – para deixar todo mundo revoltado, doente de frustração e de não saber o quê fazer mais. Quase todo mundo já encheu o saco de tudo isso, mas quase ninguém sabe como dizer, agir e mudar. A indiferença prevalece como auto-defesa: “O que se pode fazer, vai tudo continuar do mesmo jeito”, foi o que ouviu de um homem que olhava o acontecimento.

Esta é uma juventude do falso bem-estar brasileiro. Nasceu bem, cresceu sem inflação galopante e sem salários escorchantes, num tempo em que aos poucos o Brasil foi se paralisando. Cada um por si, que se dá um jeito. O que está aí é o que é.

Mas, por ironia à modernidade líquida, é uma juventude que quer ao menos cuidar de si. Manifesta-se pelo cuidado com amigos. Os grupos se formam naturalmente, por afinidade ou proximidade, e gostam de estar próximos. Cada grupo cuida de si, mas a inveja ou rivalidade grupal, que já foram tão naturais em outros tempos, não prevalece. Para onde derramar esse amor, ou talvez, carinho, se não há como organizar o mundo de outro modo?

Os garotos das passeatas são condenados ipso facto por serem de classe média. Mas a classe média aí está e crescendo, segundo o governo. Aliás, confundindo classe média com consumo de bens, todos querem ser classe média. Em outros tempos os bem-pensantes diziam que a classe média é quem puxa o povão. Bem que esses garotos gostariam de puxá-lo para a ribalta da luta. Mas o povão não vem porque nada lhes é confiável, ainda, muito menos para protestos contra o preço de passagens e promessas de boa educação para todos.

Os que já passaram do meio caminho da vida também estão frustrados e reclamam pelos cantos como que em desafogo. Perderam a vontade de transformar suas vidas, muito menos as injustiças do país Persistem na farsa do “deixa como estar para ver como é que fica”.

Os jovens haviam se acostumado com isso, mas procuram um meio para sair. Defendem índios e quilombolas, o vetusto Museu do Índio, qualquer pequena causa que lhes traga de volta a identidade de ser no mundo. Não sabem para onde vão, mas quem o sabe?

Quando é a próxima passeata?

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Pio Penna Filho comenta as Ccrises humanitárias pelo mundo na atualidade



Crises Humanitárias


Pio Penna

 

Vários países, em várias regiões do mundo, vivem verdadeiras crises humanitárias que desafiam a consciência da comunidade internacional em termos humanitários. A situação é tão grave que é assustador verificar como essas crises quase não repercutem na mídia internacional e pouco tocam as sociedades que, por sorte ou outros motivos, tem a felicidade de não enfrentarem tais situações.

A Síria é hoje um dos mais preocupantes casos de crise humanitária do mundo. O país, como todos sabem, passa por uma prolongada guerra civil que já matou mais de 60 mil pessoas e levou mais de 2 milhões de sírios a buscarem refúgio no exterior, em sua grande maioria vivendo em condições precaríssimas em países vizinhos, como a Turquia.

A África é o continente que mais atenção chama quando pensamos em crises humanitárias. Vários países e regiões do continente passam simultaneamente por crises geralmente derivadas de guerras civis. Em alguns casos, como o da República Democrática do Congo, a situação é crônica, ou seja, a crise é prolongada e a sensação é de que não há esperança em termos de curto ou médio prazos.

Ainda no continente africano podemos destacar a caótica situação vivida na Somália, também em decorrência de uma prolongada guerra civil. Nesse país, o Estado praticamente desapareceu e, dentre as suas consequências, há insegurança humana e alimentar em graus elevadíssimos, o que frequentemente leva a crises humanitárias de difícil encaminhamento.

Outro exemplo que se tornou bem conhecido no Brasil diz respeito ao Haiti. Esse país, que conta com uma história singular entre os demais da América Latina e Caribe, experimenta décadas de crises humanitárias catastróficas, seja como consequência da ação humana, seja por capricho da natureza. Apesar do envolvimento da comunidade internacional e da presença de organizações internacionais, inclusive com tropas brasileiras, poucos observadores conseguem enxergar um horizonte positivo no curto e no médio prazo.

Na América do Sul talvez o exemplo mais apropriado quando pensamos em crise humanitária seja o da Colômbia, embora nesse caso aparentemente o pior momento já tenha passado. De toda forma, o fluxo de refugiados do país ainda não foi contido e todo ano centenas de colombianos desembarcam no Brasil em busca de um recomeço.

Citei neste artigo apenas alguns casos de crises humanitárias. Infelizmente, existem muitas outras crises ocorrendo simultaneamente ao redor do planeta. Somos hoje um pouco mais de 7 bilhões de terráqueos e, desses, algo em torno de 1 bilhão passa fome ou não tem acesso a alimentação adequada. As guerras consomem milhares de vidas anualmente e levam sofrimento a outras tantas. Milhares e milhares de pessoas são obrigadas anualmente a deixar os seus locais de origem em busca de abrigo e proteção. Enfim, infelizmente as crises humanitárias parecem ser uma constante na vida no planeta terra.

O Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR) faz o possível e, em alguns casos, o impossível para prestar apoio aos refugiados e deslocados espalhados pelo mundo, mas os seus recursos são limitados. A humanidade, infelizmente, caminha assim, sem muita esperança de uma vida mais digna, igualitária e que atenda às necessidades das pessoas.