quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O Julgamento de Mohammed Mursi

O Julgamento de Mohammed Mursi

                                                                          Pio Penna Filho
 
O ex-presidente egípcio, Mohammed Mursi, e vários outros dirigentes da Irmandade Muçulmana, estão sendo processados pela justiça do Egito tendo como acusação a culpa pela morte de diversos manifestantes quando da violenta repressão aos protestos ocorridos em dezembro de 2011.
Mursi foi deposto pelos militares egípcios que retomaram o controle do país após uma brevíssima experiência democrática que durou cerca de um ano (Mursi governou de junho de 2012 até o início de julho de 2013). A oposição ao governo alegava que a Irmandade Muçulmana estava conduzindo o país ao radicalismo islâmico, e que se aproximava velozmente para uma feição teocrática.
É curioso notar que as vozes que se levantaram contra o governo acusavam-no de tirania religiosa. Ou seja, em nome da democracia, pavimentaram o caminho para a falência da própria democracia.
Poucos golpes militares são tão facilmente tolerados pelos países ocidentais (leia-se Estados Unidos e Europa) como os que ocorrem em países islâmicos. É como se tivéssemos dois parâmetros “democráticos”. Em alguns lugares, a supressão da democracia se justifica em nome da própria democracia. No fundo, o que está em jogo é a repulsa aos valores ocidentais expressos por um contingente considerável da população islâmica ao redor do mundo. Os valores democráticos, nesse caso, são muito relativos.
A acusação aos dirigentes da Irmandade Muçulmana e ao próprio ex-presidente de conivência com o assassinato de manifestantes é um tanto exagerada. Outras manifestações que sucederam ao golpe militar foram também marcadas por extrema violência, inclusive com a morte de muitos manifestantes. Mas, nesse caso, como era de se esperar, os atuais dirigentes não foram acusados de conivência e, muito menos, processados.
Desde a explosão de manifestações populares contra os regimes ditatoriais de partes do Oriente Próximo e do Norte da África, conhecidas popularmente como “Primavera Árabe”, criou-se uma enorme expectativa com relação à possibilidade da implementação de maior participação da sociedade nos assuntos políticos dos países dessa região. Entretanto, não foi exatamente isso o que aconteceu.
A história política recente da maior parte desses países é de pouca abertura política e muita repressão. Não é possível alterar esse quadro de uma hora para outra, haja vista que a cultura política local é de baixa participação da sociedade e há, ainda, o fator religioso, que torna a questão da democracia à maneira “Ocidental” ainda mais complicada.
O fato é que houve um grande revés no processo de abertura política do Egito com a volta dos militares ao poder. Nenhuma democracia nasce pronta e os percalços da experiência democrática, com acertos e erros (às vezes mais erros) em processos eleitorais é inerente a esse tipo de regime político. Os egípcios, assim como qualquer outro povo, só aprenderão e assimilarão valores democráticos a partir do momento em que a vontade da maioria, expressa na consulta eleitoral, for respeitada. 

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Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com