sexta-feira, 26 de junho de 2015

Confira o artigo do professor Pio Penna Filho




O Brasil e seu Entorno Estratégico​



O Brasil está inserido numa região que apresenta poucos conflitos internacionais e isso confere ao país uma sensação de paz e estabilidade, o que é positivo. Entretanto, essa característica não deveria ofuscar a visão de longo prazo dos nossos governantes e líderes militares, haja vista que os cenários internacionais são dinâmicos e estão em constante mutação.
Como país de dimensões continentais, de economia diversificada e de interesses globais, o Brasil se projeta para além de sua região e busca o reconhecimento internacional de sua importância política e econômica. Não podemos ter sucesso nessa empreitada se não fizermos o dever de casa.
O entorno estratégico brasileiro, tal como descrito pela Política Nacional de Defesa, é amplo. Ele contempla a América do Sul, o Atlântico Sul, os países lindeiros africanos e a Antártica. Além dessas regiões, o Mar do Caribe, considerando a sua proximidade com o Brasil, é também uma área de preocupação.
A ênfase maior, naturalmente, recai sobre a América do Sul e o Atlântico Sul, áreas prioritárias para a defesa nacional. Na América do Sul, na atual conjuntura, não existem grandes problemas entre os atores estatais. Existem dois focos que chamam mais a atenção em termos de segurança: a persistência da guerrilha das FARCs na Colômbia e a grande instabilidade na Venezuela bolivarianista, que pode levar o país a uma crise sem precedentes em sua história recente.
O Atlântico Sul também é uma região relativamente tranquila, com exceção para parte da margem africana, haja vista que algumas áreas desse litoral vem apresentando ultimamente uma escalada em termos de insegurança marítima, mas nada que chegue a preocupar estrategicamente o Brasil.
Com relação à Antártica e ao Mar do Caribe, essas duas áreas igualmente se apresentam sem grandes desafios para o Brasil, pelo menos na atual conjuntura política internacional.
A partir dessa brevíssima e sucinta análise, é possível considerar que o Brasil goza de uma tranquilidade invejável em termos de segurança regional e possíveis ameaças no curto prazo. Todavia, o Estadista não pode se limitar aos problemas de curto prazo. Esse erro é fatal para os Estados.
Há muitos interesses em jogo no entorno estratégico brasileiro. As áreas prioritárias (América do Sul e Atlântico Sul) são vitais para o Brasil. Temos aqui a Amazônia e todo o espaço do Atlântico, que em termos de tamanho, é até maior que a área Amazônica. Aliás, essa comparação levou ao conceito de Amazônia Azul para definir o espaço do Atlântico Sul “brasileiro”.
O país precisa estar preparado para lidar com os grandes desafios que essas áreas do entorno estratégico apresentarão para o Brasil a médio e longo prazos, e não apenas do ponto de vista diplomático. Embora a diplomacia seja importante e esteja posicionada em ambas as regiões por meio de acordos internacionais, como a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e pela Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul (ZOPOCAS), isso ainda é insuficiente.
Para garantir os interesses brasileiros no entorno estratégico é preciso ter Forças Armadas modernas e prontas para o emprego. Isso, infelizmente, ainda não temos. Esse é um problema grave e incompatível com a típica política de improvisos de sucessivos governantes brasileiros. Ter Forças Armadas bem equipadas e adestradas não significa ir contra o pacifismo constitucional brasileiro, mas sim que o país estará pronto para fazer frente a eventuais e quase certas ameaças futuras.


sexta-feira, 19 de junho de 2015

Confira uma artigo do professor Pio Penna Filho

O Interesse Chinês na América Latina

Pio Penna Filho*

A China vem aí. Ou melhor, a China já chegou na América Latina. Nas últimas três décadas assistimos a um crescimento considerável da economia chinesa, que se projetou em direção aos quatro cantos do mundo. Hoje, estamos assistindo a uma verdadeira “mundialização” da China. 

Além da agressividade comercial, os chineses também estão participando ativamente em grandes investimentos espalhados pelo mundo. Não é a toa que a China atingiu o patamar de segunda maior economia mundial.

Inicialmente, as empresas chinesas se projetaram vendendo todo tipo de bugiganga. A maior parte dos seus produtos era de baixa tecnologia e valor agregado, mas esse quadro mudou rapidamente. Por exemplo, hoje, no Brasil, os chineses instalaram montadoras de automóveis e estão entrando pesado nesse mercado.

Ainda em termos comerciais, a maior parte dos produtos que os consumidores tem acesso são “made in china”. Não importa a marca; muitos, mas muitos produtos, são feitos ou montados na China e vendidos ao redor do mundo. Basta uma olhadela mais atenta nas embalagens e qualquer leitor irá comprovar como sua vida está impregnada de produtos “chineses”.

E há muito mais além do comércio. Empresas chinesas estão investindo pesado em diversos países, inclusive no Brasil. A maioria desses investimentos são destinados à criação de infraestrutura e exploração de matérias-primas, essenciais para a continuação do crescimento chinês.

Ou seja, trata-se de um padrão já conhecido pelos países menos desenvolvidos: por um lado, o que os chineses estão procurando são matérias-primas para manter suas indústrias a pleno “vapor”; por outro, buscam mercados para despejar seus produtos industrializados. Esse é justamente o perfil das relações Brasil-China. Um perfil acima de tudo assimétrico.

A produção chinesa é muito mais barata que a brasileira. Isso tem a ver basicamente com a produtividade do trabalhador chinês, sua baixa remuneração, a carga tributária chinesa (incomparavelmente menor que a brasileira) e um vasto e complexo programa de apoio estatal à exportação. Além disso, o empresariado chinês também pensa e age em termos de mercado mundial, diferentemente da maior parte do empresariado brasileiro.

O procedimento é basicamente o mesmo, não importa se é a China ou outro país economicamente desenvolvido. Isso quer dizer que tanto faz uma China que se diz “comunista” ou um Estados Unidos que se diz “capitalista”, o que move o seu comportamento é a busca por vantagens econômicas. Portanto, os governantes brasileiros e latino-americanos deveriam parar de se iludir ou de iludir a população e observar de maneira mais crítica e inteligente quais são os interesses em jogo.

Não adianta nada sair de uma dependência e cair em outra. A China não será a salvação para nenhum país do mundo, muito menos para um país da América Latina. O que os chineses desejam é ampliar os seus negócios e alcançar os seus objetivos em termos de manter, o máximo possível, o seu espetacular crescimento. E para isso precisam do mundo.



 












* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Confira o artigo do professor Pio Penna

O Brasil e as “Cláusulas Democráticas”

Pio Penna Filho*


A democracia pode possuir vários significados, dependendo dos interesses de quem a defende. Com o fim da Guerra Fria, logo após o colapso do mundo “socialista”, observamos uma renovada “onda” democrática, que passou a balizar a inserção internacional de muitos Estados. Ou seja, aquele país que não apresenta pelo menos um verniz democrático passou a ser visto como uma espécie de pária internacional.
Nesse contexto de “onda” e democrática, o Brasil inseriu a democracia como uma espécie de pré-requisito para se relacionar plenamente com outros países que desejassem algum tipo de sociedade, como nos casos de dois esquemas de integração/cooperação dos quais o Brasil participa ativamente: o Mercosul e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Em ambos os blocos existe a chamada “Cláusula Democrática” que, resumindo a ópera, estabelece que um país só pode participar do bloco se for um regime democrático (que contemple a “plena vigência das instituições democráticas”, no caso do Mercosul).
O interessante nesse caso é que a definição de “regime democrático” não está claramente colocada, podendo o país ser um pouco democrático ou simplesmente democrático. O problema é quando o país é apenas “um pouco democrático”.
No caso do Mercosul, o Brasil foi com força total contra o Paraguai quando do episódio do impeachment do ex-presidente Fernando Lugo. Naquela ocasião, Brasil e Argentina, com a conivência do Uruguai, tanto fizeram que o Paraguai foi suspenso do Mercosul em nome da cláusula democrática, tudo justamente para contemplar a entrada da Venezuela no bloco, decisão que estava sendo protelada pelo Paraguai.
Contraditoriamente (e ironicamente), entretanto, o Brasil fecha completamente os olhos para o que está acontecendo na Venezuela hoje. Nesse país a oposição não tem vez. Quem levanta a voz contra o governo tem grandes chances de ir parar na cadeia (existem vários casos) ou é severamente reprimido em manifestações públicas. A cláusula democrática praticamente desapareceu. Ninguém mais lembra desse instrumento jurídico para pressionar ou mesmo suspender a Venezuela do Mercosul, como deveria ser.
Já na CPLP aconteceu algo parecido. Os membros da Comunidade jogaram a cláusula democrática no lixo ao aprovarem a entrada da Guiné Equatorial como membro pleno do bloco, em 2014. Nem mesmo o mais criativo dos políticos ou diplomatas – ou mesmo advogados – consegue enquadrar o país como um regime democrático. Para arranjar isso, só fazendo mágica.  
Ao final, a lição é clara, ou seja, no caso do Brasil, o nosso governo não está em nada preocupado com a essência da democracia, e a cláusula democrática é empregada apenas como instrumento de pressão contra aqueles que não são considerados “amigos” ou “aliados” do país. Para os amigos, ao contrário, a interpretação da cláusula é bem elástica, flexível, ou pode simplesmente ser esquecida. Assim mesmo, sem mais nem menos.
É uma vergonha um país que diz valorizar os princípios democráticos agir de forma tão pragmática e casuística no cenário internacional. Isso enfraquece o Brasil e nos tira credibilidade, sobretudo do ponto vista dos valores morais consagrados em nossa Constituição.






* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com