terça-feira, 31 de maio de 2011

A Guerra do Sudão - Darfur


A Guerra do Sudão - Darfur

Pio Penna Filho

Enquanto o mundo continua de olho nos acontecimentos no Norte da África e em outras partes do chamado mundo muçulmano, a guerra em Darfur, no Sudão, continua. Inexplicavelmente as Nações Unidas e os países ocidentais, que determinam a agenda internacional, pouco ou nada fazem para fazer cessar o sofrimento do povo dessa região esquecida.
O governo sudanês já foi acusado de genocídio e crimes contra a humanidade por fatos ocorridos em Darfur em 2003 e 2004. Embora o presidente Omar al-Bashir tenha contra si um decreto de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional, nada de concreto foi até hoje feito.
Embora França, Inglaterra e Estados Unidos, dentre outros, tenham demonstrado uma energia incomum para punir o líder líbio Kadaffi e, de quebra, a população da Líbia, nada dessa disposição encontramos quando se trata das populações abandonadas de Darfur.
As milícias Janjaweed, fiéis ao governo de Cartum, e até o próprio Exército sudanês, já promoveram muitos crimes em Darfur. As estimativas variam muito, mas especula-se que cerca de trezentas mil pessoas tenham morrido em consequência da violência do governo na região e que aproximadamente duas milhões e setecentas mil pessoas tenham sido obrigadas a buscar refúgio em outros países. Os números são, realmente, preocupantes.
Causa espanto a imobilidade do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a posição da União Africana, que ficam em compasso de espera quando o assunto é o massacre em Darfur. Qualquer analista internacional fica confuso com tanta disparidade na atuação da comunidade internacional quando se compara o que ocorreu e está ocorrendo novamente em Darfur, com outras atrocidades.
Parece que a memória do genocídio em Ruanda já se perdeu. Estamos diante de mais um massacre que, se já não é considerado oficialmente pela ONU um genocídio, está a caminho de ser elevado a essa categoria. Junto com a matança vem o desrespeito sistemático à vida e à dignidade humanas, com casos incontáveis de estupros e um sem número de crueldades e privações impostas aos infelizes habitantes da região.
Até quando teremos que tolerar esse tipo de barbárie? As autoridades sudanesas agem tranquilamente com a certeza da impunidade. O Sudão irá, muito em breve, sofrer a sua primeira secessão, com a separação da região Sul do restante do país. Já como relação a Darfur, qualquer solução negociada para a crise está fora do alcance de nossos olhos.
O trabalho das equipes humanitárias que atuam na região, incluindo a atuação da própria ONU, já está comprometido pelas restrições impostas pelo governo, que deseja acobertar a violência e o sofrimento continuado da população local. Isso vai contra o princípio superior dos Direitos Humanos. É o caso também de questionarmos até onde vai o poder do Tribunal Penal Internacional que não consegue impor suas determinações, como é justamente o caso do Sudão.
*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

As Desculpas da OTAN

As Desculpas da OTAN

Pio Penna Filho
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi criada em 1949 no contexto da Guerra Fria, que opunha os Estados Unidos e seus aliados à então União Soviética. Por sua vez, para fazer frente à OTAN, os soviéticos criaram o Pacto de Varsóvia, uma outra aliança militar que desapareceu com o fim da Guerra Fria. A OTAN não só sobreviveu ao fim da era bipolar como foi ampliada a partir de 1989.
De lá para cá vimos assistindo a uma ampliação da Aliança não apenas na quantidade de membros mas também e, principalmente, de suas funções. Criada como um típico pacto militar para defesa dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, gradativamente a OTAN começou a operar em outros teatros, e cada vez de forma mais agressiva.
Em 1999 a Organização, mesmo sem ter autorização prévia do Conselho de Segurança das Nações Unidas, empreendeu ataques contra a República Federal da Sérvia, alegando intervenção humanitária pela guerra então em andamento em Kososo e que opunha kosavares e albaneses contra sérvios. O resultado foi um festival de atrocidades.
Embora os militares e milicianos sérvios estivessem, por sua vez, barbarizando com os kosavares e com os albaneses, as iniciativas da OTAN não se restringiram a ações pontuais contra alvos militares. Como efeito colateral dos bombardeios da OTAN, centenas de civis que nada tinham a ver com a guerra em Kosovo e que nem moravam naquela então província da Sérvia, foram atingidos pelas bombas “cirúrgicas” dos modernos aviões de caça da vasta frota da Aliança Ocidental.
Agora a história se repete no Afeganistão. Em março de 2010, inclusive, chamei a atenção, nessa mesma coluna, para os “enganos da OTAN” naquele país. Escrevi que era recorrente os pedidos de desculpas da Aliança perante os afegãos e toda a comunidade internacional sempre que erravam o alvo. O problema é que erravam e continuam errando desmesuradamente.
No sábado passado mais uma chacina foi perpetrada pela OTAN no pobre Afeganistão. Após mais um dos seus “enganos”, bombas da Aliança mataram pelo menos 12 crianças e duas mulheres na localidade de Nawzad. Gente pobre, que nada tinha que ver com o movimento Taleban ou com a rede Al Qaeda, mas punida por viver num território em conflito com o Ocidente.
Até mesmo o presidente afegão, Hamid Karzai, um aliado e praticamente um fantoche colocado no poder pelos interesses norte-americanos, elevou o tom de voz e foi duro ao criticar as ações da OTAN. Karzai afirmou que se a organização não mudar sua forma de agir passará a ser tratada como mais um invasor no país. O que, convenhamos, é a pura realidade há muito tempo.
Mas o que mais incomoda e principal motivo pelo qual retorno ao assunto, é a covardia e a inação da comunidade internacional com relação as atrocidades cometidas em nome da “democracia” e da “guerra contra o terror”. Milhares de inocentes já perderam a vida e outros milhares haverão ainda de sofrer em decorrência da brutalidade do Ocidente. Uma brutalidade covarde, desmedida e sempre impune.
*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A Sociologia em Émile Durkheim

A Sociologia em Émile Durkheim



Confira o vídeo com um resumo sobre a sociologia de Émile Durkheim


1. Situação do Autor

1.1. Marcos sociais

Na adolescência, o jovem David Émile presenciou uma série de acontecimentos que marcaram decisivamente todos os franceses em geral e a ele próprio em particular: a 1º de setembro de 1870, a der­rota de Sedan; a 28 de janeiro de 1871, a capitulação diante das tropas alemãs; de 18 de março a 28 de maio, a insurreição da Comuna de Paris; a 4 de setembro, a proclamação da que ficou conhecida como III República, com a formação do governo provisório de Thiers até a votação da Constituição de 1875 e a eleição do seu primeiro presidente (Mac-Mahon). Thiers fora encarregado tanto de assinar o tratado de Frankfurt como de reprimir os communards, até à liquidação dos últimos remanescentes no "muro dos federados". Por outro lado, a vida de David Émile foi marcada pela disputa franco­-alemã: em 1871, com a perda de uma parte da Lorena, sua terra natal tornou-se uma cidade fronteiriça; com o advento da Primeira Guerra Mundial, ele viu partir para o f front numerosos discípulos seus, alguns dos quais não regressaram, inclusive seu filho Andrès, que parecia destinado a seguir a carreira paterna.

No entretempo, Durkheim assistiu e participou de acontecimentos marcantes e que se refletem diretamente nas suas obras, ou pelo menos nas suas aulas. O ambiente é por vezes assinalado como sendo o “vazio moral da III República”2, marcado seja pelas conseqüências diretas da derrota francesa e das dívidas humilhantes da guerra, seja por uma série de medidas de ordem política, dentre as quais duas merecem destaque especial, pelo rompimento com as tradições que elas representam. A primeira e a chamada lei Naquet, que instituiu o divórcio na França após acirrados debates parlamentares, que se prolongaram de 1882 a 84. A segunda é representada pela instrução laica, questão levantada na Assembléia em 1879, por Jules Ferry, encarregado de implantar o novo sistema, como Ministro da Instrução Pública, em 1882. Foi quando a escola se tornou gratuita para todos, obrigatória dos 6 aos 13 anos, além de ficar proibido formalmente o ensino da religião.3 O vazio correspondente à ausência do ensino de religião na escola pública tenta-se preencher com uma pregação patriótica representada pela que ficou conhecida como “instrução moral e cívica”.

Ao mesmo tempo que essas questões políticas e sociais balizavam o seu tempo, uma outra questão de natureza econômica e social não deixava de apresentar continuadas repercussões políticas e o que se denominava questão social, ou seja, as disputas e conflitos decorrentes da oposição entre o capital e o trabalho, vale dizer, entre patrão e empregado, entre burguesia e proletariado. Um marco dessa questão foi a criação, em 1895, da Confédération Générale du Travail (CGT). A bipolarização social preocupava profundamente tanto a políticos como a intelectuais da época, e sua interveniência no quadro político e social do chamado tournant du siècle não deixava de ser perturbadora.

Com efeito, apesar dos traumas políticos e sociais que assinalam o início da III República, o final do século XIX e começo do século XX correspondem a uma certa sensação de euforia, de progresso e de esperança no futuro. Se bem que os êxitos econômicos não fossem de tal ordem que. pudessem fazer esquecer a sucessão de crises (1900-01, 1907, 1912-13) e os problemas colocados pela concentração, registrava-se uma série de inovações tecnológicas que provocavam repercussões imediatas no campo econômico. É a era do aço e da eletricidade que se inaugura, junto com o início do aproveitamento do petróleo como fonte de energia ao lado da eletricidade que se notabiliza por ser uma energia “limpa”, em contraste com a negritude do carvão, cuja era declinava e que, ao lado da telegrafia, marcam o início do que se convencionou chamar de “segunda revolução industrial”, qual seja, a do motor de combustão interna e do dínamo.

Além dessas invenções, outras se sucediam. Embora menos importantes, eram sem dúvida mais espetaculares, como o avião, o submarino, o cinema, o automóvel, além das rotativas e do linotipo que tornaram as indústrias do jornal e do livro capazes de produções baratas e de atingir um público cada vez maior. Tudo isso refletia um avanço da ciência, marcada pelo advento da teoria dos quanta, da relatividade, da radioatividade, da teoria atômica, além do progresso em outros setores mais diretamente voltados à aplicação, como a das ondas hertzianas, das vitaminas, do bacilo de Koch, das vacinas de Pasteur etc.

Não é pois de se admirar que vigorasse um estilo de vida belle époque, com a Exposição Universal. comemorativa do centenário da revolução, seguida da exposição de Paris, simultânea com a inauguração dométro em 1900. O último quartel do século fora marcado, além da renovação da literatura, do teatro e da música, pelo advento do impressionismo, que tirou a arte pictórica dos ambientes fechados, dos grandes acontecimentos e das grandes personalidades da monumentalidade, enfim para se voltar aos grandes espaços abertos, para as cenas e os homens comuns para o cotidiano.

Porque este homem comum é que se vê diante dos grandes problemas representados pelo pauperismo, pelo desemprego, pelos grandes fluxos migratórios. Ele é objeto de preocupação do movimento operário, que inaugura, com a fundação da CGT no Congresso de Limoges, uma nova era do sindicalismo, que usa a greve como instrumento de reivindicação econômica e não mais exclusivamente política. É certo que algumas conquistas se sucedem, com os primeiros passos do seguro social e da legislação trabalhista, sobretudo na Alemanha de Bismarck.

Mas se objetivam também medidas tendentes a aumentar a produtividade do trabalho, como o “taylorismo” (1912). Também a Igreja se volta para o problema, com a encíclica Rerum Novarum (1891), de Leão XIII, que difunde a idéia de que o proletariado poderia deixar de ser revolucionário na medida em que se tornasse proprietário. É a chamada “desproletarização” que se objetiva, tentada através de algumas "soluções milagrosas", tais como o cooperativismo, corporativismo,, participação nos lucros etc. Pretende-se, por várias maneiras, contornar a questão social e eliminar a luta de classes, espantalhos do industrialismo.

Enfim, estamos diante do “espírito moderno”. Na École Normale Supérieure, o jovem David Émile tivera oportunidade de assistir às aulas de Boutroux, que assinala os principais traços característicos dessa época: progresso da ciência (não mais contemplativa, mas agora transformadora da realidade), progresso da democracia (resultante do voto secreto e da crescente participação popular nos negócios públicos), além da generalização e extraordinário progresso da instrução e do bem-estar. Como corolário desses traços, o mestre neokantiano ressalta as correntes de idéias derivadas, cuja difusão viria encontrar eco na obra de Durkheim: aspira-se à constituição de uma moral realmente científica (o progresso moral equiparando-se ao progresso científico); a moral viria a ser considerada como um setor da ciência das condições das sociedades humanas (a moral é ela própria um fato social) ; a moral se confunde enfim com civilização o povo mais civilizado é o que tem mais direitos e o progresso moral consiste no domínio crescente dos povos cuja cultura seja a mais avançada.4

Não é pois de se admirar que essa época viesse também a assistir a uma nova vaga de colonialismo, não mais o colonialismo da caravela ou do barco a vapor, mas agora o colonialismo do navio a diesel, da locomotiva, do aeroplano, do automóvel e de toda a tecnologia implícita e eficiente, além das novas manifestações morais e culturais. Enfim, Durkheim foi um homem que assistiu ao advento e à expansão do neocapitalismo, ou do capitalismo monopolista. Ele não resistiu aos novos e marcantes acontecimentos políticos representados pela Primeira Guerra Mundial, com o aparecimento simultâneo tanto do socialismo na Rússia como da nova roupagem do neocapitalismo, representada pelo Welfare State.

1.2. Durkheim e os homens de seu tempo

Durkheim nasceu em Épinal, Departamento de Vosges, que fica exatamente entre a Alsácia e a Lorena, a 15 de abril de 1858. Morreu em 1917. De família judia, seu pai era rabino e ele próprio teve seu período de misticismo, tornando-se porém agnóstico após a ida para Paris. Aqui, no Lycée Louis-le-Grand (em pleno coração do Quartier Latin, entre a Sorbonne, o Collège de France e a Faculté de Droit), preparou-se para o baccalauréat, que lhe permitiu entrar para a École Normale Supérieure. Bastou-lhe, pois, atravessar a praça doPanthéon para atingir a famosa rue d’Ulm, sem sair portanto do mesmo quartier, para completar sua formação.

Na Normale vai se encontrar com alguns homens que marcaram sua época. Entra em 1879 e sai em 1882, portando o título de Agrégé de Philosophie. Ali se tornara amigo íntimo de Jaurès, que obtivera o 1º lugar na classificação de 1876 e saíra em 3º na agrégation de 1881; foi colega de Bergson, que entrou igualmente em 1876 em 3º lugar e saiu em 1881 em 2º. Dois colegas que se notabilizaram: o primeiro como filósofo, mas sobretudo como tribuno, líder socialista, que se popularizou como defensor de Dreyfus e acabou por ser assassinado em meio ao clima de tensão política às vésperas da deflagração da guerra em 1914; o segundo, filósofo de maior expressão, adotou uma linha menos participante e muito mística, apesar de permanecer no index do Vaticano, e alcançou os píncaros da glória, nas Academias, no Collège de France, na Sociedade das Nações e como Prêmio Nobel de Literatura em 1928.

Entre esses dois homens – tão amigos mas tão adversos – Durkheim permaneceu no meio-termo e num plano mais discreto. O Diretor da Normale era Bersot, crítico literário preocupado com a velha França e que chama a atenção do jovem Émile para a obra de Montesquieu. Sucede-o na direção Fustel de Coulanges, historiador de renome que influencia o jovem Émile no estudo das instituições da Grécia e Roma. Ainda como mestres sobressaem os neokantianos Renouvier e sobretudo o citado Boutroux.

Durante os anos em que ensinou Filosofia em vários liceus da província (Sens, St. Quentin, Troyes), volta seu interesse para a Sociologia. A França, apesar de ser, num certo sentido, a pátria da Sociologia, não oferecia ainda um ensino regular dessa disciplina, que sofreu tanto a reação antipositivista do fim do século como uma certa confusão com socialismo – havia uma certa concepção de que a Sociologia constituía uma forma científica de socialismo.

Para compensar essa deficiência específica de formação, Durkheim tirou um ano de licença (1885-86) e se dirigiu à Alemanha, onde assistiu aulas de Wundt e teve sua atenção despertada para as “ciências do espírito” de Dilthey, para o formalismo de Simmel, além de tomar conhecimento direto da obra de Tönnies, que lançara sua tipologia da Gemeinschaft e Gesellschaft. Mas e surpreendente verificar-se que, apesar de certa familiaridade com a literatura filosófica e sociológica alemã, Durkheim não chegou a tomar conhecimento da obra de Weber – e foi por este desconhecido também.5 Isto não impede a Nisbet de dizer que Durkheim, em companhia de Weber e Simmel, tenha sido responsável pela reorientação das ciências sociais no século XX.6

Achava-se, portanto, plenamente habilitado para iniciar sua carreira brilhante de professor universitário, ao ser indicado por Liard e Espinas para ministrar as aulas de Pedagogia e Ciência Social na Faculté de Lettres de Bordeaux, de 1887 a 1902. Foi este o primeiro curso de Sociologia que se ofereceu numa universidade francesa, tendo sido, pelo prestígio que lhe emprestou Durkheim, transformado em chaire magistrale em 1896. Nessa cidade, tão voltada para o comércio do Novo Mundo, florescera um espírito burguês e republicano, simultâneo com a manutenção do racionalismo cartesiano.

Aí o jovem mestre encontrou condições adequadas para produzir o grosso de sua obra, a começar por suas teses de doutoramento. A tese principal foi De la division du travail social, que alcançou grande repercussão: publicada em 1893, foi reeditada no ano em que deixou Bordeaux (1902) . A tese complementar, escrita em latim, foi publicada em 1892 mas editada em francês so em 1953, sob o título de: Montesquieu et Rousseau, précurseurs de la Sociologie. Logo após, em 1895, publicou Les régles de la méthode sociologiquee, apenas dois anos depois, Le suicide. Assim, num período de somente seis anos, foram editados praticamente três quartos da obra sociológica de Durkheim, que demonstra uma extraordinária fecundidade teórica.

Talvez o curto lapso de tempo entre suas principais obras tenha propiciado uma notável coerência na elaboração e na aplicação de uma metodologia com sólidos fundamentos teóricos. Além disso, escreveu uma série de importantes artigos para publicação imediata e outros editados mais tarde, sobretudo seus cursos, que eram sempre escritos previamente.

O que surpreende ainda em sua trajetória intelectual não é só a referida fecundidade, mas sobretudo a relativa mocidade com que produziu a maior parte de sua obra. Fora para Bordeaux aos 30 anos incompletos e, no decorrer de uma década, já havia feito o suficiente para se tornar o mais notável sociólogo francês, depois que Comte criara esta disciplina. É preciso não se perder de vista o fato de que o prestígio intelectual era, no seu tempo, exclusividade dos velhos, mas nenhum dos retratos ou fotos de Durkheim conhecidos fixa os momentos bordelenses de sua vida, os quais, como se viu, foram decisivos.

Sua primeira aula na universidade versou sobre a solidariedade social, refletindo uma preocupação muito em voga na época. Além disso, a solidariedade constitui o ponto de partida não apenas de sua teoria sociológica, mas também da primeira obra estritamente sociológica que publicou. O esquema durkheimiano apresentado mais adiante procura fixar de maneira bem nítida essa característica.

Sua intensa atividade intelectual pode ser comprovada também pela iniciativa, tomada em 1896, de fundar uma grande revista, qual seja, L’Année Sociologique, que se converteu num verdadeiro trabalho de laboratório, na expressão de Duvignaud.7 Os propósitos enunciados no prefácio do volume I não são apenas “apresentar um quadro anual do estado em que se encontra a literatura propriamente sociológica”, o que constituiria uma tarefa restrita e medíocre. Para ele, o que os sociólogos necessitam

“é de ser regularmente informados das pesquisas que se fazem nas ciências especiais, história do direito, dos costumes, das religiões, estatística moral, ciências econômicas etc., porque é aí que se encontram os materiais com os quais se deve construir a Sociologia” (cf. Journal Sociologique. p. 31).

Uma peculiaridade curiosa, relacionada com o referido desconhecimento mútuo de Durkheim e Weber, reside no fato de aquele ter publicado em L’Année (v. XI, 1906/1909) uma resenha de um livro de Marianne Weber, nada menos que a mulher de Max Weber; trata-se de Ehefrau und Mutter in der Rechtsentwicklung, publicado em 1907, que parece ter interessado a Durkheim por suas preocupações com os problemas da família e matrimônio. Ele critica o simplismo da argumentação de M.me Weber, ao desenvolver sua tese de que a família patriarcal determinou uma completa subserviência da mulher (cf. ibid. p. 644-49).

Em Bordeaux teve como colegas os filósofos Hamelin e Rodier, este comentarista de Aristóteles e aquele, discípulo de Renouvier, tendendo, porém, mais para o idealismo hegeliano do que para o criticismo kantiano. Ao deixar essa cidade, sucedeu-o Gaston Richard, seu antigo colega na Normale, mas que, dissidente mais tarde de L’Année, veio a se tornar um dos maiores críticos de Durkheim. Este, por sua vez, empreende sua segunda migração da província para a capital, como todo intelectual francês que se projeta.

Em Paris é nomeado assistente de Buisson na cadeira de Ciência da Educação na Sorbonne, em 1902. Quatro anos após, com a morte do titular, assume esse cargo. Mantém a orientação laica imprimida por seu antecessor, mas em 1910 consegue transformá-la em cátedra de Sociologia que, pelas suas mãos, penetra assim no recinto tradicional da maior instituição universitária francesa, consolidando pois o status acadêmico dessa disciplina. Suas aulas na Sorbonne transformaram-se em verdadeiros acontecimentos, exigindo um grande anfiteatro para comportar o elevado número de ouvintes, que afluíam por vezes com uma hora de antecedência para obter um lugar de onde se pudesse ver e ouvir o mestre, já então definitivamente consagrado.

O ambiente intelectual foi para Durkheim o mesmo que a água para o peixe, o que ele herdou de seu pai e transmitiu aos seus filhos. Seu filho, morto na guerra, preparava um ensaio sobre Leibniz. Sua filha casou-se com o historiador Halphen. Seu sobrinho Marcel Mauss tornou-se um dos grandes antropólogos, colaborador e co-autor de “De quelques formes primitives de classification”. A família praticamente se estende aos seus discípulos, que se notabilizaram nos estudos sobre a Grécia (Glotz), os celtas (Hubert), a China (Granet), o Norte da África (Maunier), o direito romano (Declareuil). Os mais numerosos tornam-se membros da que ficou conhecida como Escola Sociológica Francesa: além de Mauss, Fauconnet, Davy, Halbwachs, Simiand, Bouglé, Lalo, Duguit, Darbon, Milhau etc. etc. Trata-se na verdade de uma escola que não cerrou as portas.

2. A obra

2.1. Sua posição no desenvolvimento da Sociologia

Em artigo publicado em 1900 na Revue Bleue (“La Sociologie en France ao XIXe siècle”), defende a tese de que a Sociologia é “uma ciência essencialmente francesa” (DURKHEIM, 1970: p. 111), dado seu nascimento com Augusto Comte. Mas, morto o mestre, a atividade intelectual sociológica de seus discípulos foi sobrepujada pelas preocupações políticas. E a Sociologia imobilizou-se durante toda uma geração na França. Mas prosseguira, enquanto isso, seu caminho na Inglaterra, com Spencer e o organicismo. A França pós-napoleônica viveu num engourdissement mental, que só se interromperia momentaneamente com a Revolução de 1848 e, posteriormente, com a Comuna de Paris.

Durkheim é severo no julgamento do período que o antecedeu de imediato: fala mesmo de uma “acalmia intelectual que desonrou o meado do século e que seria um desastre para a nação”(id., ibid. p. 136).

O revigoramento da Sociologia se teria iniciado com Espinas, que introduziu o organicismo na França, ao mostrar que as sociedades – são organismos, distintos dos puramente físicos – são organizações de idéias. Mas para Durkheim tais formulações são próprias de uma fase heróica, em que os sociólogos procuram abranger na Sociologia todas as ciências.

“É tempo de entrar mais diretamente em relação com os fatos, de adquirir com seu contato o sentimento de sua diversidade e sua especificidade, a fim de diversificar os próprios problemas, de os determinar e aplicar-lhes um método que seja imediatamente apropriado à natureza especial das coisas coletivas”(id., ibid. p. 125-26).

Nada disso podia fazer o organicismo, que não nos dera uma lei sequer.

A tarefa a que se propôs Durkheim foi

“em lugar de tratar a Sociologia in genere, nós nos fechamos metodicamente numa ordem de fatos nitidamente delimitados salvo as excursões necessárias nos domínios limítrofes daquele que exploramos, ocupamo-nos apenas das regras jurídicas e morais, estudadas seja no seu devir e sua gênese [cf. Division du travail] por meio da História e da Etnografia comparadas, seja no seu funcionamento por meio da Estatística [cf. Le suicide]. Nesse mesmo círculo circunscrito nos apegamos aos problemas mais e mais restritos. Em uma palavra, esforçamo-nos em abrir, no que se refere à Sociologia na França, aquilo que Comte havia chamado a era da especialidade”(DURKHEIM, 1970: p. 126).

Eis, em suas próprias palavras, as linhas mestras de sua obra.

Sua preocupação foi orientada pelo fato de que a noção de lei estava sempre ausente dos trabalhos que visavam mais à literatura e à erudição do que à ciência:

“A reforma mais urgente era pois fazer descer a idéia sociológica nestas técnicas especiais e, por isso mesmo, transforma-las, tornando realidade as ciências sociais”(id., ibid. p. 127).

A superação dessa “metafísica abstrata” exigia um método, tal como o fez em Les règles de la méthode sociologique. Mas estas não surgiram de elaborações abstratas

“desses filósofos que legiferam diariamente sobre o método sociológico, sem ter jamais entrado em contato com os fatos sociais. Assim, somente depois que ensaiamos um certo número de estudos suficientemente variados, é que ousamos traduzir em preceitos a técnica que havíamos elaborado. O método que expusemos não é senão o resumo da nossa prática”(id., ibid. p. 128).

A tarefa a que se propôs era, pois, conscientemente da maior envergadura. Ela se tornou possível no final do século XIX devido à "reação científica" que estava ocorrendo. Nesse sentido, a França voltava - a desempenhar o papel predestinado no desenvolvimento da Sociologia. Dois fatores favoreciam isso: primeiro, o acentuado enfraquecimento do tradicionalismo e, segundo, o estado de espírito nacionalista. A França e o pais de Descartes e, apesar de sua concepção ultrapassada de racionalismo, para superá-lo era mais importante ainda conservar os seus princípios : “Devemos empreender maneiras de pensar mais complexas, mas conservar esse culto das idéias distintas, que está na própria raiz do espírito francês, como na base de toda ciência”(id., ibid. p. 135). Eis-nos portanto diante de um renascimento do iluminismo, na figura desse Descartes moderno que foi Émile Durkheim.

2.2. Concepção de Ciência e de Sociologia

Dentro da tradição positivista de delimitar claramente os objetos das ciências para melhor situá-las no campo do conhecimento, Durkheim aponta um reino social, com individualidade distinta dos reinos animal e mineral. Trata-se de um campo com caracteres próprios e que deve por isso ser explorado através de métodos apropriados. Mas esse reino não. se situa à parte dos demais, possuindo um caráter abrangente:

“porque não existe fenômeno que não se desenvolva na sociedade, desde os fatos físico-químicos até os fatos verdadeiramente sociais” (“La Sociologie et son domaine scientifique.”Apud CUVILLIER, 1953: p. 179).

Nesse mesmo artigo (datado também de 1900), em que contrapõe suas concepções àquelas formalistas de Simmel, e onde antecipa várias colocações posteriores (como sua divisão da Sociologia, cf. p. 41), Durkheim fala também de um reino moral, ao concluir que:

“a vida social não é outra coisa que o meio moral, ou melhor, o conjunto dos diversos meios morais que cercam o indivíduo” (id., ibid. p. 198).

Aproveita para esclarecer o que entende por fenômenos morais:

“Qualificando-os de morais, queremos dizer que se trata de meios constituídos pelas idéias; eles são, portanto, face às consciências individuais, como os meios físicos com relação aos organismos vivos”(id., ibid.).

No início de sua carreira Durkheim empregava o termo "ciências sociais", paulatinamente substituído pelo de “sociologia”, mas reservando aquele ainda para designar as “ciências sociais particulares” (i. é, Morfologia Social, Sociologia. Religiosa etc.), que são divisões da Sociologia.

Ao iniciar suas funções em Bordeaux, foi convidado a pronunciar a aula inaugural do ano letivo de 1887-88, publicada neste último ano sob o título de “Cours de Science Sociale” (DURKHEIM, 1953: p. 77-110). Ele corresponde na verdade a um programa de trabalho é serve para expressar suas concepções básicas é sua preocupação dominante de limitar é circunscrever ao máximo a extensão de suas investigações. Nesse sentido, a Sociologia constitui “uma ciência no meio de outras ciências positivas” (id., ibid. p. 78). E por ciência positiva entende um “estudo metódico” que conduz ao estabelecimento das leis, mais bem feito péla experimentação:

“Se existe um ponto fora de dúvida atualmente é que todos os seres da natureza, desde o mineral até o homem, dizem respeito à ciência positiva, isto é, que tudo se passa segundo as leis necessárias” (id., ibid. p. 82).

Desde Comte a Sociologia tem um objeto, que permanece entretanto indeterminado: ela deve estudar a Sociedade, mas a Sociedade não existe: “Il y a des sociétés” (id., ibid. p. 88) – que se classificam em gêneros e espécies, como os vegetais é os animais. Após repassar os principais autores que lidaram com essa disciplina, conclui:

“Ela [a Sociologia] tem um objeto. claramente definido e um método para estudá-lo. O objeto são os fatos sociais; o método e a observação e a experimentação indireta, em outros termos, o método comparativo. O que falta atualmente é traçar os quadros gerais da ciência e assinalar suas divisões essenciais. (...) Uma ciência não se constitui verdadeiramente senão quando é dividida e subdividida, quando compreende um certo número de problemas diferentes e solidários entre si” (id., ibid. p. 100).

O domínio da ciência, por sua vez, corresponde ao universo empírico e não se preocupa senão com essa realidade. No mencionado artigo publicado na Revue Bleue, e antes de tratar do tema a que se propusera, faz algumas considerações de grande interesse, para mostrar como a Sociologia é uma ciência que se constitui num momento de crise – “O que é certo é que, no dia em que passou a tempestade revolucionária, a noção da ciência social se constituiu como por encantamento” (id., ibid. p. 115) – e quando domina um vivo sentimento de unidade do saber humano.

Parte de uma distinção entre ciência e arte. Aquela estuda os fatos unicamente para os conhecer e se desinteressa pelas aplicações que possam prestar às noções que elabora. A arte, ao contrário; só os considera para saber o que é possível fazer com eles, em que fins úteis eles podem ser empregados, que efeitos indesejáveis podem impedir que ocorram e por que meio um ou outro resultado pode ser obtido. “Mas não há arte que não contenha em si teorias em estado imanente” (id., ibid. p. 112).8

“A ciência só aparece quando o espírito, fazendo abstração de toda preocupação prática, aborda as coisas com o único fim de representá-las” (id., ibid. p. 113). Porque estudar os fatos unicamente para saber o que eles são implica uma dissociação entre teoria e prática, o que supõe uma mentalidade relativamente avançada, como no caso de se chegar a estabelecer leis relações necessárias, segundo a concepção de Montesquieu. Ora, com respeito à Sociologia, Durkheim concebe que as leis não podem penetrar senão a duras penas no mundo dos fatos sociais: “e isto foi o que fez com que a Sociologia não pudesse aparecer senão num momento tardio da evolução científica” (id., ibid.,). Esta e uma idéia repetidas vezes encontrada nos vários artigos que Durkheim publicou na virada do século, como, por exemplo, na mencionada aula inaugural de Bordeaux.

Fica evidente que, apesar do seu desenvolvimento tardio, a Sociologia é fruto de uma evolução da ciência. Ela nasce à sombra das ciências naturais; eis a idéia final do mencionado artigo a propósito de Simmel: a Sociologia não corresponde a uma simples adição ao vocabulário, a esperança e a de que “ela seja e permaneça o sinal de uma renovação profunda de todas as ciências que tenham por objeto o reino humano” (apud CUVILLIER, 1953: p. 207).

Emile Durkheim: Sociologia JOSE ALBERTINO RODRIGUES

Emile Durkheim: Sociologia JOSE ALBERTINO RODRIGUES

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sexta-feira, 20 de maio de 2011

Confira a correção da avaliação de Sociologia

AVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA – TERCEIRO ANO
1. Vai acontecer uma eleição para presidente, deputado federal, senador, governador e deputado estadual. Você será um dos candidatos.

a) Escolha a qual cargo você gostaria de se candidatar e explique por que você escolheu esta função.

resposta:Resposta pessoal. Possível: Presidente.


b) Explique para que serve a função que escolheu.

resposta: Resposta pessoal. Possível: Por ser o cargo mais importante do país.


c) E para os outros cargos, quais são as funções de cada um? Explique.
resposta: Deputado estadual e federal, junto com os senadores, legislam o estado e o país, ou seja, constroem as leis. Os governadores administram os estados para o qual foram eleitos.

2. A Constituição do Brasil reconhece três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. A existência de três poderes e a ideia que haja um equilíbrio entre eles, de modo que cada um dos três exerça um certo controle sobre os outros é, sem dúvida, uma característica das democracias modernas. A noção da separação dos poderes foi intuída por Aristóteles, na Antiguidade, mas foi aplicada pela primeira vez na Inglaterra, em 1653. Sua formulação definitiva, porém, foi aplicada por Montesquieu, no século XVIII, visando assegurar a liberdade dos homens e conter o poder absoluto de alguns monarcas. A divisão dos poderes é um dos pilares da democracia porque impede que o poder se concentre nas mãos de um único mandante (ditador). Os três poderes devem ser independentes – um não pode interferir no funcionamento do outro – mas devem funcionar em harmonia.
A partir do texto anterior e de seus conhecimentos, responda às questões.
a) Qual a importância da autonomia dos três poderes? Justifique sua resposta.
resposta: A existência de três poderes e a ideia de que haja um equilíbrio e uma descentralização entre eles, de modo que cada um dos três exerça um certo controle sobre os outros.


b) O que você entende por equilíbrio entre os três poderes? Justifique sua resposta.
resposta: Equilíbrio quer dizer que não há preponderância de um poder sobre o outro.

3. (Mackenzie) "Votar é essencialmente um direito, não um dever. Ninguém deve ser obrigado a escolher representantes. A todo cidadão deve ser garantido o direito de se fazer representar nas instâncias executiva e legislativa. Quem não se vale desse direito está simplesmente abrindo mão de um valoroso instrumento para o exercício da cidadania. Deve, pois, arcar com os efeitos dessa omissão."
("Folha de São Paulo")

Assinale a alternativa correta sobre o trecho anterior.
a) Está pressuposto que todas as pessoas, se pudessem, não votariam.
b) O voto tem de pertencer mais ao universo do dever, do que ao universo do querer e do saber.
c) Votar é circunstancialmente um direito, mas indubitavelmente um dever.
d) Está pressuposto que alguns só votam por obrigação.
e) O cidadão que é alheio a seus próprios direitos deve permanecer isento de quaisquer ônus decorrentes dessa alienação.
resposta: [D]

4. (CNDL) Observe a imagem.




O poder da mídia
Um quarto poder. In: http://contextoshistoricos.blogspot.com/2011/04/cndl-colegio-notre-dame-de-lourdes.html acesso em 30 abr 2011.

a) Explique o que caracteriza a Imprensa como o quarto poder?
resposta:Graças ao senso cívico dos meios de comunicação e à coragem de jornalistas audaciosos, as pessoas dispunham deste “quarto poder” para criticar, rejeitar e resistir, democraticamente, às decisões ilegais que poderiam ser iníquas, injustas e até criminosas para com pessoas inocentes. Dizia-se, muitas vezes, que era a voz dos sem-voz.


b) Alguns intelectuais argumentam que a Imprensa não é mais o quarto poder, como já fora em outras épocas. Você concorda? Justifique sua resposta.
resposta: Preocupados, acima de tudo, em ver triunfar seu gigantismo – o que obriga a adular os outros poderes -, estes grandes grupos deixaram de ter como objetivo cívico o de ser um “quarto poder”, assim como deixaram de denunciar os abusos contra os direitos ou de corrigir as disfunções da democracia para polir e aperfeiçoar o sistema político. Não pretendem se apresentar como um “quarto poder” e, menos ainda, como um contrapoder.


5. (UFRS) Ao surgir nos Estados Unidos, no começo da década de 1980, o termo "globalização" significava uma liberalização planetária das trocas comerciais. Na década de 1990, além do campo econômico, a concepção estendeu-se à intensa e inédita circulação mundial da cultura e da informação, dotada de uma certa homogeneização. Em relação ao fenômeno descrito no texto apresentado, considere as seguintes afirmações.
I - A derrocada do comunismo no leste europeu e a intensificação da abertura da economia pela China contribuíram para uma maior unificação dos mercados mundiais.
II - A revolução das comunicações, especialmente com a Internet, acentuou a dimensão cultural da globalização.
III - Um dos sustentáculos da globalização são as empresas transnacionais.

Quais estão corretas?
a) Apenas II.
b) Apenas I e II.
c) Apenas I e III.
d) Apenas II e III.
e) I, II e III.
resposta:[E]


6. (CNDL) Observando a sua comunidade próxima, relacione as diversas formas de exercício da cidadania nela presentes e mencione os novos instrumentos tecnológicos que tornam possível a efetivação dessa participação.
resposta: Resposta pessoal. Possibilidade de resposta: participação em associação de moradores, envolvimento com o grêmio estudantil da escola. Participação nas eleições tanto votando, como propagando a ética no voto.

7. (UERJ) Observe o gráfico a seguir:




Uma explicação para a mudança representada no gráfico e sua respectiva consequência estão indicadas em:
a) legalização da liberdade sindical - institucionalização dos direitos civis
b) adoção do pluripartidarismo - ampliação dos direitos políticos e sociais
c) reorganização do poder judiciário - vigência do Estado de direito democrático
d) inclusão do voto feminino e dos analfabetos - expansão da cidadania política

resposta: [D]


8. (FGV) "Blade Runner é uma parábola de ficção científica em que temas pós-modernos situados num contexto de acumulação flexível (...) são explorados com todo o poder de imaginação que o cinema pode mobilizar. O conflito ocorre entre pessoas que vivem em escalas de tempo distintas e que, como resultado, vêem e vivem o mundo de maneira bem diferente."
(Harvey, David. "A Condição Pós-Moderna". São Paulo: Loyola, 1999).
Sobre a pós-modernidade é correto afirmar:
a) Pós-modernidade se refere às condições socioeconômicas e culturais do capitalismo pós-industrial, que acentuam o individualismo, o consumismo e promovem a compressão do espaço e do tempo.
b) Enquanto movimento estético, o termo denota um compromisso de resgate do pensamento iluminista e de princípios funcionais rígidos sobre o uso do tempo.
c) Pós-modernidade se refere à era da produção fordista, que aumentou a velocidade da produção das mercadorias, graças à implantação da linha de montagem, produção em série e do consumo de massa.
d) A pós-modernidade chega ao Brasil no esteio da política de industrialização baseada na substituição de importações, redirecionando a concepção tradicional do sistema produtivo e do uso do tempo.
e) O movimento que dá início à pós-modernidade se apóia na defesa dos princípios tayloristas de produção, baseados no planejamento e divisão flexível do trabalho.
resposta:[A]


9. (PITÁGORAS) Você considera que exerce a sua cidadania na sua comunidade? Se sim, apresente três exemplos. Se não, justifique sua resposta.
resposta: Resposta pessoal. Sim, pois participo do grêmio da escola. Não, porque considero política uma coisa suja e prefiro não me envolver.


10. (UFU) Considere a seguinte citação.
Movimentos e ONGs cidadãs têm se revelado estruturas capazes de desempenhar papéis que as estruturas formais, substantivas, não têm conseguido exercer enquanto estruturas estatais, oficiais, criadas com o objetivo e o fim de atender a área social.
GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1997. p. 303.
A respeito do papel político dos novos movimentos sociais e das organizações não-governamentais no contexto brasileiro, marque a alternativa correta.
a) Os novos movimentos sociais surgiram no Brasil em um contexto marcado pelo autoritarismo e pela exiguidade de espaços democráticos de participação política.
b) Em seus primórdios, na década de 1970, os novos movimentos sociais constituíram-se como uma extensão do aparato estatal na sociedade civil.
c) As bandeiras de luta defendidas pelos novos movimentos sociais, desde os anos 1970, limitam-se à problemática trabalhista e sindical.
d) Coube aos novos movimentos sociais, desde seu florescimento nos anos 1970, reforçar as práticas e estruturas de poder centralizadas em torno do Estado.
resposta: [A]

Confira as questões da Prova de Sociologia do Segundo Bimestre





AVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA – SEGUNDO ANO - P1 (SUBSTITUTIVA)



1. (IESP) Ao discorrer sobre ideologia, Marilena Chauí afirma que “(...) a coerência ideológica não é obtida malgrado as lacunas, mas, pelo contrário, graças a elas. Porque jamais poderá dizer tudo até o fim, a ideologia é aquele discurso no qual os termos ausentes garantem a suposta veracidade daquilo que está explicitamente afirmado”.
(CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 04).



I. O fundamento último do mundo capitalista não são interesses quaisquer, mas os interesses econômicos de classe.
II. Na maioria das sociedades capitalistas, as desigualdades são ocultadas pelos princípios ideológicos que afirmam a importância dos seguintes elementos: o progresso, o “vencer na vida”, o individualismo, a mínima presença do Estado na economia e a soberania popular por meio da representação.
III. Ideologia corresponde às idéias que predominam em uma determinada sociedade, portanto expressa a realidade tal qual ela é na sua objetividade.
IV. Uma pessoa pode elaborar uma ideologia, construir uma “questão” individual sem interferências anteriores e influências comunitárias para a sua sustentação. Assim, com base em sua própria ideologia, ela poderá refletir e agir em sua sociedade.



Considerando o fragmento do texto de Marilena Chauí e as afirmativas acima baseadas no conceito de ideologia para Karl Marx. Assinale a alternativa abaixo que apresenta apenas as afirmativas corretas:




a) I e III.
b) I e II.
c) II e IV.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) todas as afirmativas estão erradas.


resposta: [B]




2. (PITÁGORAS) Dentre as frases a seguir, IDENTIFIQUE aquela que expressa a principal função das propagandas em uma sociedade de consumo.



a) Informar os consumidores acerca das virtudes dos produtos.
b) Divulgar o produto para atingir uma demanda já existente.
c) Esconder os problemas dos produtos.
d) Criar a necessidade de consumo do produto, alavancando assim a demanda.
e) Aumentar o consumo do produto através da divulgação da sua marca.



resposta: [D]




3. (UnB/CESPE) Com referência a ideologia, assinale a opção correta.



a) É um conjunto de ideias, valores, concepções ou opiniões acerca de pontos não-sujeitos a discussões.
b) Constitui, de acordo com Marilena Chaui, um corpo não sistematizado de representações e normas que nos ensinam a pensar e agir em sociedade.
c) Implica, em sua visão negativa, assumir que as diferenças de classe e os conflitos sociais são ocultos ou justificados em nome de uma sociedade justa e harmônica.
d) É para Marx, de tal maneira insidiosa, que somente aqueles que a utilizam como instrumento de dominação percebem o seu caráter ilusório.
resposta: [C]




4. (CNDL) Com base na observação da imagem, explique o que é sociedade de consumo.










resposta: A associação entre o modelo de produção em série, adotado pelas indústrias e as empresas de prestação de serviços caracterizam uma nova sociedade: a sociedade de consumo. Esse termo designa a atual sociedade moderna, urbana e industrial, dedicada à produção e aquisição crescentes de bens de consumo cada vez mais diversificados.




5. (UnB/CESPE) Quando se fala em ideologia como visão distorcida das relações sociais, forma alienada de ver a realidade, queremos mostrar, por meio do pensamento marxiano, que “a função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dar-lhes a aparência de indivisões e de diferenças naturais entre os seres humanos”. Quando Chaui refere-se a dar falsas aparências e dissimular relações sociais, ela, sobretudo, ressalta a concepção marxista de ideologia construída em cima principalmente de uma crítica às visões sobre o mesmo tema que tinham os jovens hegelianos. Marcelo Dorneles Michel. Ideologia e ocultamento no pensamento marxiano. Internet: http://www.ucpel.tche.br/


A partir desse texto, assinale a opção correta a respeito das ideias de Marx.


a) O conceito de alienação da produção refere-se apenas à ocultação dos lucros obtidos a partir da exploração do trabalho assalariado.
b) A alienação filosófica acontece quando o Estado representa os interesses da burguesia hegemônica.
c) A democracia representativa é instrumento de alienação das classes trabalhadoras, na medida em que o Estado representa apenas os interesses das classes dominantes.
d) A recuperação da condição humana só poderá ocorrer por meio da transformação e evolução contínua do capitalismo.
resposta: [C]


6. (UFRJ) De acordo com teóricos culturalistas, os motivos que governam nossas escolhas entre lojas e shoppings, marcas e grifes, estilos e gostos são:



a) metáforas psicológicas, do desejo, oníricas;
b) relações sociais de identidades, grupos, produtos;
c) instintos humanos, primitivos, inatos;
d) relações econômicas, necessidades, orçamentos;
e) relações de prestígio, estamento, poder.



resposta: [E]







7. (PITÁGORAS) “Não é a tecnologia que atende às necessidades, como os meios de comunicação de massas geralmente nos fazem crer, e, sim, as necessidades é que são criadas para atender à crescente população e à elaboração cada vez mais diversificada dos bens de consumo”.
Explique esta afirmação.

resposta: Para adquirir um bem, precisamos achar realmente importante possuí-lo. Nesse processo, a formação da opinião pública realizada pelos meios de comunicação, comandados por um número pequeno de pessoas que decidem o que vamos escolher, possuir e usar, colabora de forma vital para a criação de necessidades de uso de novos produtos. Esse processo de formação de opinião ocorre quando a opinião – que cada um possui como coisa exclusiva e genuína – é induzida, ou influenciada, pelos jornais, TV e outras formas de comunicação de massa.




Faça uma leitura atenta do texto a seguir. Depois, responda às questões 8 e 9.





IDEOLOGIA




Ideologia é outro dos conceitos básicos de Sociologia que tem várias origens e interpretações. Em Marx ela assume um caráter essencialmente negativo: é a falsa consciência. Para ele, ideologia é qualquer formulação teórica das relações sociais que não tenha por base a produção material. Em outras palavras, a ideologia para Marx é resultado da percepção incompleta do funcionamento da sociedade, o que faz com que tomemos como imprescindível uma ordem de coisas que não o é, acreditando ser original uma situação que é na verdade um efeito, uma conseqüência do estado de alienação em que se encontram os indivíduos. Só a consciência é capaz de apreender o que realmente determina a organização social, e a partir daí orientar a ação das pessoas. Outros autores preferem definir a ideologia de maneira mais genérica, como todo conjunto organizado e coerente de idéias que servem de parâmetros para a conduta individual ou coletiva. Toda ideologia implicaria portanto numa interpretação da realidade a partir de uma posição social específica, com o intuito de justificar as decisões que são tomadas a partir de lá. Em linhas gerais a ideologia é uma teoria que valoriza arbitrariamente algumas idéias em detrimento de outras, seguindo exclusivamente a perspectiva de seu formulador. Isto explica porque o uso do termo ideologia é mais freqüentemente usado no cenário político, onde as decisões e ações precisam ser sustentadas por argumentos fortes e consistentes. Quando dois partidos assumem posições diferentes ou mesmo conflitantes frente a um tema qualquer, geralmente isso ocorre por diferenças ideológicas entre eles. Cada partido tem um conjunto de valores e interesses que acredita ser mais desejável, tanto para seus membros para a população como um todo. A ideologia é um com freqüência um reflexo da ausência de consenso acerca de um problema. Onde as decisões não obedecem critérios claros e reconhecidos por todos, cada pessoa tende a se comportar seguindo as suas convicções, a sua maneira de ver o mundo. Surge a ideologia quando diversas pessoas se unem sob convicções comuns, e dão a estas uma formulação explícita. Nesta caso podemos classificar qualquer religião como uma ideologia, assim como doutrinas não religiosas tais quais o fascismo, o nazismo, o liberalismo ou o socialismo. São interpretações parciais da vida social que pretendem ser aplicadas a sua totalidade. A noção de ideologia pode ser entendida também como uma crença em valores específicos de um grupo, que respondam as questões enfrentadas por esse grupo na sua sobrevivência. É uma doutrina, um código de conduta. Em condições que tenha alguma liberdade de escolha, o indivíduo irá agir de acordo com os seus princípios, com o que considera bom ou ruim, o que limitará tanto os fins quanto os meios de sua ação. As ideologias estão portanto presente em todas as sociedades, podendo ou não ser conflituosas. Isto dependerá dos próprios ideais que ela contiver, e do contexto social em que ela se encontrar, isto é de sua interação com outros códigos de conduta presentes na sociedade em questão.



VOLTAIRE; DIDEROT, Denis; CHAUÍ, Marilena. Dicionário filosófico. São Paulo: Nova Cultural, 1988. Disponível em: http://mico.hdfree.com.br/texto_dicionario_politico.htm#ideologia



8. (PITÁGORAS) Explique o que é ideologia para Marx.
resposta: Em Marx, ela assume um caráter essencialmente negativo: é a falsa consciência. Para ele, ideologia é qualquer formulação teórica das relações sociais que não tenha por base a produção material. Em outras palavras, a ideologia para Marx é resultado da percepção incompleta do funcionamento da sociedade, o que faz com que tomemos como imprescindível uma ordem de coisas que não o é, acreditando ser original uma situação que é, na verdade, um efeito, uma consequência do estado de alienação em que se encontram os indivíduos.




9. (PITÁGORAS) Qual a definição mais genérica para ideologia?



resposta: Todo conjunto organizado e coerente de ideias que servem de parâmetros para a conduta individual ou coletiva. Toda ideologia implicaria, portanto, uma interpretação da realidade a partir de uma posição social específica, com o intuito de justificar as decisões que são tomadas a partir de lá.




10. (PITÁGORAS) Comumente ouvimos falar do modo de vida americano, o american way of life. Trata-se de um ideal muito difundido nos Estados Unidos, o qual estabelece a felicidade como resultado necessário do trabalho individual, que é recompensado com o acesso ao consumo de determinados bens. Sob o ponto de vista de certo marxismo, isso não passa de uma ___________ burguesa, a qual identifica no mercado a garantia de sustentação dos seus privilégios de classe.




INDIQUE a palavra que melhor completa o trecho lido.
a) Indústria cultural.
b) Conspiração.
c) Ideologia.
d) Percepção.
e) Alienação.



resposta: [C]

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Textos Suplementares - Segundo Ano CNDL



IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO



A variação das condições materiais de uma sociedade constitui a História dessa sociedade e Marx as designou como modos de produção. A História é a mudança, passagem ou transformação de um modo de produção para outro. Tal mudança não se realiza por acaso nem por vontade livre dos seres humanos, mas acontece de acordo com condições econômicas, sociais e culturais já estabelecidas, que podem ser alteradas de uma maneira também determinada, graças à práxis humana diante de tais condições dadas.


O fato de que a mudança de uma sociedade ou a mudança histórica se faça em condições determinadas, levou Marx a afirmar que: “Os homens fazem a História, mas o fazem em condições determinadas”, isto é, que não foram escolhidas por eles. Por isso também, ele disse: “Os homens fazem a História, mas não sabem que a fazem”.


Estamos, aqui, diante de uma situação coletiva muito parecida com a que encontramos no caso de nossa vida psíquica individual. Assim como julgamos que nossa consciência sabe tudo, pode tudo, faz o que pensa e quer, mas, na realidade, está determinada pelo inconsciente e ignora tal determinação, assim também, na existência social, os seres humanos julgam que sabem o que é a sociedade, dizendo que Deus ou a Natureza ou a Razão a criaram, instituíram a política e a história, e que os homens são seus instrumentos; ou, então, acreditam que fazem o que fazem e pensam o que pensam porque são indivíduos livres, autônomos e com poder para mudar o curso das coisas como e quando quiserem.


Por exemplo, quando alguém diz que uma pessoa é pobre porque quer, porque é preguiçosa, ou perdulária, ou ignorante, está imaginando que somos o que somos somente por nossa vontade, como se a organização e a estrutura da sociedade, da economia, da política não tivesse qualquer peso sobre nossas vidas. A mesma coisa acontece quando alguém diz ser pobre “pela vontade de Deus” e não por causas das condições concretas em que vive. Ou quando faz uma afirmação racista, segundo a qual “a Natureza fez alguns superiores e outros inferiores”.


A alienação social é o desconhecimento das condições histórico-sociais concretas em que vivemos, produzidas pela ação humana também sob o peso de outras condições históricas anteriores e determinadas. Há uma dupla alienação: por um lado, os homens não se reconhecem como agentes e autores da vida social com suas instituições, mas, por outro lado e ao mesmo tempo, julgam-se indivíduos plenamente livres, capazes de mudar suas vidas individuais como e quando quiserem, apesar das instituições sociais e das condições históricas. No primeiro caso, não percebem que instituem a sociedade: no segundo caso, ignoram que a sociedade instituída determina seus pensamentos e ações




As três formas da alienação social



Podemos falar em três grandes formas de alienação existentes nas sociedades modernas ou capitalistas:



1. A alienação social, na qual os humanos não se reconhecem como produtores das instituições sociopolíticas e oscilam entre duas atitudes: ou aceitam passivamente tudo o que existe, por ser tido como natural, divino ou racional, ou se rebelam individualmente, julgando que, por sua própria vontade e inteligência, podem mais do que a realidade que os condiciona. Nos dois casos, a sociedade é o outro (alienus), algo externo a nós, separado de nós, diferente de nós e com poder total ou nenhum poder sobre nós.



2. A alienação econômica, na qual os produtores não se reconhecem como produtores, nem se reconhecem nos objetos produzidos por seu trabalho. Em nossas sociedades modernas, a alienação econômica é dupla:


Em primeiro lugar, os trabalhadores, como classe social, vendem sua força de trabalho aos proprietários do capital (donos das terras, das indústrias, do comércio, dos bancos, das escolas, dos hospitais, das frotas de automóveis, de ônibus ou de aviões, etc.). Vendendo sua força de trabalho no mercado da compra e venda de trabalho), os trabalhadores são mercadorias e, como toda mercadoria, recebem um preço, isto é, o salário. Entretanto, os trabalhadores não percebem que foram reduzidos à condição de coisas que produzem coisas; não percebem que foram desumanizados e coisificados.


Em segundo lugar, os trabalhos produzem alimentos (pelo cultivo da terra e dos animais), objetos de consumo (pela indústria), instrumentos para a produção de outros trabalhos (máquinas), condições para a realização de outros trabalhos (transporte de matérias-primas, de produtos e de trabalhadores). A mercadoria-trabalhador produz mercadorias. Estas, ao deixarem as fazendas, as usinas, as fábricas, os escritórios e entrarem nas lojas, nas feiras, nos supermercados, nos shoppings centers parecem ali estar porque lá foram colocadas (não pensamos no trabalho humano que nelas está cristalizado e não pensamos no trabalho humano realizado para que chegassem até nós) e, como o trabalhador, elas também recebem um preço.


O trabalhador olha os preços e sabe que não poderá adquirir quase nada do que está exposto no comércio, mas não lhe passa pela cabeça que foi ele, não enquanto indivíduo e sim como classe social, quem produziu tudo aquilo com seu trabalho e que não pode ter os produtos porque o preço deles é muito mais alto do que o preço dele, trabalhador, isto é, o seu salário.


Apesar disso, o trabalhador pode, cheio de orgulho, mostrar aos outros as coisas que ele fabrica, ou, se comerciário, que ele vende, aceitando não possuí-las, como se isso fosse muito justo e natural. As mercadorias deixam de ser percebidas como produtos do trabalho e passam a ser vistas como bens em si e por si mesmas (como a propaganda as mostra e oferece). Na primeira forma de alienação econômica, o trabalhador está separado de seu trabalho - este é alguma coisa que tem um preço; é um outro (alienus), que não o trabalhador.


Na segunda forma da alienação econômica, as mercadorias não permitem que o trabalhador se reconheça nelas. Estão separadas dele, são exteriores a ele e podem mais do que ele. As mercadorias são um igualmente um outro, que não o trabalhador.



3. A alienação intelectual, resultante da separação social entre trabalho material (que produz mercadorias) e trabalho intelectual (que produz idéias). A divisão social entre as duas modalidades de trabalho leva a crer que o trabalho material é uma tarefa que não exige conhecimentos, mas apenas habilidades manuais, enquanto o trabalho intelectual é responsável exclusivo pelos conhecimentos. Vivendo numa sociedade alienada, os intelectuais também se alienam. Sua alienação é tripla:


Primeiro, esquecem ou ignoram que suas idéias estão ligadas às opiniões e pontos de vista da classe a que pertencem, isto é, a classe dominante, e imaginam, ao contrário, que são idéias universais, válidas para todos, em todos os tempos e lugares.


Segundo, esquecem ou ignoram que as idéias são produzidas por eles para explicar a realidade e passam a crer que elas se encontram gravadas na própria realidade e que eles apenas as descobrem e descrevem sob a forma de teorias gerais.


Terceiro, esquecendo ou ignorando a origem social das idéias e seu próprio trabalho para criá-las, acreditam que as idéias existem em si e por si mesmas, criam a realidade e a controlam, dirigem e dominam. Pouco a pouco, passam a acreditar que as idéias se produzem umas as outras, são causas e efeitos umas das outras e que somos apenas receptáculos delas ou instrumentos delas. As idéias se tornam separadas de seus autores, externas a eles, transcendentes a eles: tornam-se um outro.


As três grandes formas da alienação (social, econômica e intelectual) são a causa do surgimento, da implantação e do fortalecimento da ideologia.




A ideologia



A alienação social se exprime numa “teoria” do conhecimento espontânea, formando o senso comum da sociedade. Por seu intermédio, são imaginadas explicações e justificativas para a realidade tal como é diretamente percebida e vivida.


Um exemplo desse senso comum aparece no caso da “explicação da pobreza, em que o pobre é pobre por sua própria culpa (preguiça, ignorância) ou por vontade divina ou por inferioridade natural. Esse senso comum social, na verdade, é o resultado de uma elaboração intelectual sobre a realidade, feita pelos pensadores ou intelectuais da sociedade - sacerdotes, filósofos. cientistas, professores, escritores, jornalistas, artistas -, que descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que pertencem e que é a classe dominante de sua sociedade. Essa elaboração intelectual incorporada pelo senso comum social é a ideologia. Por meio dela, o ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das classes sociais - a dominante e dirigente - tornam-se o ponto de vista e a opinião de todas as classes e de toda a sociedade.


A função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dar-lhes a aparência de indivisão e de diferenças naturais entre os seres humanos. Indivisão: apesar da divisão social das classes, somos levados a crer que somos todos iguais porque participamos da idéia de “humanidade”, ou da idéia de “nação’ e “pátria”, ou da idéia de “raça”, etc. Diferenças naturais: somos levados a crer que as desigualdades sociais, econômicas e políticas não são produzidas pela divisão social das classes, mas por diferenças individuais dos talentos e das capacidades, da inteligência, da força de vontade maior ou menor, etc.


A produção ideológica da ilusão social tem como finalidade fazer com que todas as classes sociais aceitem as condições em que vivem, julgando-as naturais, normais, corretas, justas, sem pretender transformá-las ou conhecê-las realmente, sem levar em conta que há uma contradição profunda entre as condições reais em que vivemos e as idéias.


Por exemplo, a ideologia afirma que somos todos cidadãos e, portanto, temos todos os mesmos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. No entanto, sabemos que isso não acontece de fato: as crianças de rua não têm direitos; os idosos não têm direitos; os direitos culturais das crianças nas escolas públicas é inferior aos das crianças que estão em escolas particulares, pois o ensino não é de mesma qualidade em ambas; os negros e índios são discriminados como inferiores; os homossexuais são perseguidos como pervertidos, etc.


A maioria, porém, acredita que o fato de ser eleitor, pagar as dívidas e contribuir com os impostos já nos faz cidadãos, sem considerar as condições concretas que fazem alguns serem mais cidadãos do que outros. A função da ideologia é impedir-nos de pensar nessas coisas.




Os procedimentos da ideologia



Como procede a ideologia para obter esse fantástico resultado? Em primeiro lugar, opera por inversão, isto é, coloca os efeitos no lugar das causas e transforma estas últimas em efeitos. Ela opera como o inconsciente: este fabrica imagens e sintomas; aquela fabrica idéias e falsas causalidades.


Por exemplo, o senso comum social afirma que a mulher é um ser frágil, sensitivo, intuitivo, feito para as doçuras do lar e da maternidade e que, por isso, foi destinada, por natureza, para a vida doméstica, o cuidado do marido e da família. Assim o “ser feminino” é colocado como causa da “função social feminina”.


Ora, historicamente, o que ocorreu foi exatamente o contrário: na divisão sexual-social do trabalho e na divisão dos poderes no interior da família, atribuiu-se à mulher um lugar levando-se em conta o lugar masculino: como este era o lugar do domínio, da autoridade e do poder, deu-se à mulher o lugar subordinado e auxiliar, a função complementar e, visto que o número de braços para o trabalho e para a guerra aumentava o poderio do chefe da família e chefe militar, a função reprodutora da mulher tornou-se imprescindível, trazendo como conseqüência sua designação prioritária para a maternidade.


Estabelecidas essas condições sociais, era preciso persuadir as mulheres de que seu lugar e sua função não provinham do modo de organização social, mas da Natureza, e eram excelentes e desejáveis. Para isso, montou-se a ideologia do “ser feminino” e da “função feminina” como naturais e não como históricos e sociais. Como se observa, uma vez implantada uma ideologia, passamos a tomar os efeitos pelas causas.


A segunda maneira de operar da ideologia é a produção do imaginário social, através da imaginação reprodutora. Recolhendo as imagens diretas e imediatas da experiência social (isto é, do modo como vivemos as relações sociais), a ideologia as reproduz, mas transformando-as num conjunto coerente, lógico e sistemático de idéias que funcionam em dois registros: como representações da realidade (sistema explicativo ou teórico) e como normas e regras de conduta e comportamento (sistema prescritivo de normas e valores). Representações, normas e valores formam um tecido de imagens que explicam toda a realidade e prescrevem para toda a sociedade o que ela deve e como deve pensar, falar, sentir e agir. A ideologia assegura, a todos, modos de entender a realidade e de se comportar nela ou diante dela, eliminando dúvidas, ansiedades, angústias, admirações, ocultando as contradições da vida social, bem como as contradições entre esta e as idéias que supostamente a explicam e controlam.


Enfim, uma terceira maneira de operação da ideologia é o silêncio. Um imaginário social se parece com uma frase onde nem tudo é dito, nem pode ser dito, porque, se tudo fosse dito, a frase perderia a coerência, tornar-se-ia incoerente e contraditória e ninguém acreditaria nela. A coerência e a unidade do imaginário social ou ideologia vêm, portanto, do que é silenciado (e, sob esse aspecto, a ideologia opera exatamente como o inconsciente descrito pela psicanálise).


Por exemplo, a ideologia afirma que o adultério é crime (tanto assim que homens que matam suas esposas e os amantes delas são considerados inocentes porque praticaram um ato em nome da honra), que a virgindade feminina é preciosa e que o homossexualismo é uma perversão e uma doença grave (tão grave que, para alguns, Deus resolveu punir os homossexuais enviando a peste, isto é, a Aids).


O que está sendo silenciado pela ideologia? Os motivos pelos quais, em nossa sociedade. o vínculo entre sexo e procriação é tão importante (coisa que não acontece em todas as sociedades, mas apenas em algumas, como a nossa). Nossa sociedade exige a procriação legítima e legal a que se realiza pelos laços do casamento, porque ela garante, para a classe dominante, a transmissão do capital aos herdeiros. Assim sendo, o adultério e a perda da virgindade são perigosos para o capital e para a transmissão legal da riqueza; por isso, o primeiro se torna crime e a segunda é valorizada como virtude suprema das mulheres jovens.


Em nossa sociedade, a reprodução da força de trabalho se faz pelo alimento do número de trabalhadores e, portanto, a procriação é considerada fundamental para o aumento do capital que precisa da mão-de-obra. Por esse motivo, toda sexualidade que não se realizar com finalidade reprodutiva será considerada anormal, perversa e doentia, donde a condenação do homossexualismo. A ideologia, porém, perderia sua força e coerência se dissesse essas coisas e por isso as silencia.



Ideologia e inconsciente



Dissemos que a ideologia se assemelha ao inconsciente freudiano. Há, pelo menos, três semelhanças principais entre eles:



1. o fato de que adotamos crenças, opiniões, idéias sem saber de onde vieram, sem pensar em suas causas e motivos, sem avaliar se são ou não coerentes e verdadeiras;



2. ideologia e inconsciente operam através do imaginário (as representações e regras saídas da experiência imediata) e do silêncio, realizando-se indiretamente perante a consciência. Falamos, agimos, pensamos, temos comportamentos e práticas que nos parecem perfeitamente naturais e racionais porque a sociedade os repete, os aceita, os incute em nós pela família, pela escola, pelos livros, pelos meios de comunicação, pelas relações de trabalho, pelas práticas políticas. Um véu de imagens estabelecidas interpõe-se entre nossa consciência e a realidade;



3. inconsciente e ideologia não são deliberações voluntárias. O inconsciente precisa de imagens, substitutos, sonhos, lapsos, atos falhos, sintomas, sublimação para manifestar-se e, ao mesmo tempo, esconder-se da consciência. A ideologia precisa das idéias-imagens, da inversão de causas e efeitos, do silêncio para manifestar os interesses da classe dominante e escondê-los como interesse de uma única classe social. A ideologia não é o resultado de uma vontade deliberada de uma classe social para enganar a sociedade, mas é o efeito necessário da existência social da exploração e dominação, é a interpretação imaginária da sociedade do ponto de vista de uma única classe social.




Erguendo o véu, tirando a máscara



Diante do poder do inconsciente e da ideologia poderíamos ser levados a “entregar os pontos”, dizendo: Para que tanto esforço na teoria do conhecimento, se, afinal, tudo é ilusão, véu e máscara? Para que compreender a atividade da consciência, se ela é a “pobre coitada”, espremida entre o id e o super-ego, esmagada entre a classe dominante e os ideólogos?


Todavia, uma pergunta também é possível:


Como, sendo a consciência tão frágil, o Inconsciente e a ideologia tão poderosos, Freud e Marx chegaram a conhecê-los, explicar seus modos de funcionamento e suas finalidades?


No caso de Freud, foram a prática médica e a busca de uma técnica terapêutica para os indivíduos que permitiram a descoberta do inconsciente e o trabalho teórico de onde nasceu a psicanálise. No caso de Marx, foi a decisão de compreender a realidade a partir da prática política de uma classe social (os trabalhadores) que permitiu a percepção dos mecanismos de dominação e exploração sociais, de onde surgiu a formulação teórica da ideologia.


A busca da cura dos sofrimentos psíquicos, em Freud, e a luta pela emancipação dos explorados, em Marx, criaram condições para uma tomada de consciência pela qual o sujeito do conhecimento pôde recomeçar a crítica das ilusões e dos preconceitos que iniciara desde a Grécia, mas, agora, como crítica de suas próprias ilusões e preconceitos.


Em lugar de invalidar a razão, a reflexão, o pensamento e a busca da verdade, as descobertas do inconsciente e da ideologia fizeram o sujeito do conhecirnerto conhecer as condições - psíquicas, sociais, históricas - nas quais o conhecimento e o pensamento se realizam.


Como disseram os filósofos existencialistas acerca dessas descobertas:


Encarnaram o sujeito num corpo vivido real e numa história coletiva real, situaram o sujeito. Desvendando os obstáculos psíquicos e histórico-sociais para o conhecimento, puseram em primeiro plano as relações entre pensar e agir, ou, como se costuma dizer entre a teoria e a prática.


Marilena Chauí, “Convite à filosofia” – Ed. Ática, p.172-5