O Julgamento de Mohammed Mursi
Pio Penna Filho
O ex-presidente egípcio, Mohammed Mursi, e
vários outros dirigentes da Irmandade Muçulmana, estão sendo processados pela
justiça do Egito tendo como acusação a culpa pela morte de diversos
manifestantes quando da violenta repressão aos protestos ocorridos em dezembro
de 2011.
Mursi foi deposto pelos militares egípcios
que retomaram o controle do país após uma brevíssima experiência democrática
que durou cerca de um ano (Mursi governou de junho de 2012 até o início de
julho de 2013). A oposição ao governo alegava que a Irmandade Muçulmana estava
conduzindo o país ao radicalismo islâmico, e que se aproximava velozmente para
uma feição teocrática.
É curioso notar que as vozes que se
levantaram contra o governo acusavam-no de tirania religiosa. Ou seja, em nome
da democracia, pavimentaram o caminho para a falência da própria democracia.
Poucos golpes militares são tão facilmente
tolerados pelos países ocidentais (leia-se Estados Unidos e Europa) como os que
ocorrem em países islâmicos. É como se tivéssemos dois parâmetros
“democráticos”. Em alguns lugares, a supressão da democracia se justifica em
nome da própria democracia. No fundo, o que está em jogo é a repulsa aos
valores ocidentais expressos por um contingente considerável da população
islâmica ao redor do mundo. Os valores democráticos, nesse caso, são muito
relativos.
A acusação aos dirigentes da Irmandade
Muçulmana e ao próprio ex-presidente de conivência com o assassinato de
manifestantes é um tanto exagerada. Outras manifestações que sucederam ao golpe
militar foram também marcadas por extrema violência, inclusive com a morte de
muitos manifestantes. Mas, nesse caso, como era de se esperar, os atuais
dirigentes não foram acusados de conivência e, muito menos, processados.
Desde a explosão de manifestações
populares contra os regimes ditatoriais de partes do Oriente Próximo e do Norte
da África, conhecidas popularmente como “Primavera Árabe”, criou-se uma enorme
expectativa com relação à possibilidade da implementação de maior participação
da sociedade nos assuntos políticos dos países dessa região. Entretanto, não
foi exatamente isso o que aconteceu.
A história política recente da maior parte
desses países é de pouca abertura política e muita repressão. Não é possível alterar
esse quadro de uma hora para outra, haja vista que a cultura política local é
de baixa participação da sociedade e há, ainda, o fator religioso, que torna a questão
da democracia à maneira “Ocidental” ainda mais complicada.
O fato é que houve um grande revés no processo
de abertura política do Egito com a volta dos militares ao poder. Nenhuma
democracia nasce pronta e os percalços da experiência democrática, com acertos
e erros (às vezes mais erros) em processos eleitorais é inerente a esse tipo de
regime político. Os egípcios, assim como qualquer outro povo, só aprenderão e assimilarão
valores democráticos a partir do momento em que a vontade da maioria, expressa na
consulta eleitoral, for respeitada.
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Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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