Questões étnico-raciais e as relações de gênero
Introdução
Nesta unidade, iremos tratar de temáticas cada vez mais presentes no nosso dia a dia: as questões étnico-raciais, principalmente a condição do afro-brasileiro, e as relações de gênero, ressaltando o papel da mulher na nossa sociedade.
Posicione-se diante dos fatos, reflita e construa seus conhecimentos.
Desafiando
1. Observe a seguinte situação:
Expectativa: o resultado do vestibular de uma universidade federal bastante conceituada vai ser divulgado. Maria esperava com ansiedade, sabia que tinha feito a sua parte com muita competência, o resultado seria apenas consequência de seu esforço, dedicação e sacrifícios ao longo do ano de preparação. Sai o resultado, Maria fica surpresa ao perceber que seu nome não se encontra entre os aprovados. Ela não acredita e confere sua nota. Ela faz mais pontos que o mínimo divulgado, não entende e busca maiores informações. Tem a notícia de que a nova lei de cotas tinha aprovado 22 candidatos que obtinham notas inferiores à dela. Ficou triste, mas se conformou com o resultado.
Reflita sobre a situação e dê a sua opinião.
2. Observe a outra situação:
Depois de um dia inteiro de muito trabalho, Madalena chega em casa bastante cansada e chateada. Ela é diretora de uma grande empresa do ramo de veículos. Chegou ao cargo depois de anos de trabalho menos valorizados, em que mostrou toda sua competência e dedicação, sobressaindo-se tanto, que chamou a atenção dos superiores hierarquicamente. Foi convidada ao cargo de direção técnica, a diretoria mais especifíca da empresa. Ficou lisonjeada e orgulhosa de si mesma. Finalmente estava sendo reconhecida pela sua dedicação e competência. Provocou diversos comentários na empresa. Alguns maledicentes, outros de orgulho e principalmente de muita inveja. Inveja de outras mulheres que almejavam o mesmo cargo e de homens que se sentiam desprestigiados, por perderem a vaga para uma mulher. Ao chegar em casa, sua filha de cinco anos a esperava, querendo brincar, e seu marido, para que o jantar fosse providenciado. Ela comenta: "Estou muito cansada, sou a última a sair da empresa, descubro que meu salário é o menor da diretoria, por ser mulher, e ainda tenho que providenciar o jantar?".
Reflita sobre a situação e dê a sua opinião.
2011: UM ANO DE TRABALHO E REFLEXÕES!
As duas situações são bastante recorrentes nos dias de hoje. Após o debate, em que todos possam colocar as diversas opiniões sobre as situações apresentadas, observe se há diferenças nas argumentações femininas e masculinas e registre as conclusões a que chegaram.
CONFRONTANDO
Leia fragmentos do texto da pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, Izaura Rufino Fischer, e da professora da Universidade Estadual de Mossoró/RN, Fernanda Marques, e reflita a respeito das ideias apresentadas.
Izaura Rufino Fischer
pesquisadora da Fundação J. Nabuco
professora da Univers. Estadual de Mossoró/RN
[...]
As clivagens que sustentam a ordem burguesa e que contribuem para aprofundar as desigualdades carecem de uma nova conjuntura, composta por outra sociabilidade. Uma conjuntura em que todos tenham acesso aos bens e serviços produzidos socialmente e em que prevaleça, principalmente, educação igual para meninos e meninas, possibilitando a formação de comportamentos semelhantes nas relações de gênero. A educação, seja a informal doméstica, seja a instrução escolar, se constitui numa das bases da exclusão e da violência contra o feminino, disseminada em vários contextos da sociedade. É a partir de detalhes sutis como os brinquedos infantis, a exemplo do carrinho, da arma e da boneca, que a criança é preparada para o espaço público, reservado ao masculino e, portanto, o mais violento, e o privado, reservado ao feminino, o da submissão. O carro e o revólver, simbolizando o espaço público, representam a violência, a decisão, o domínio etc. A boneca está associada ao trabalho da casa, ao fogão e à maternidade. Dessa forma, vão sendo atribuídas personalidades para homens e mulheres, gerando a necessidade da existência de um ser frágil - sensível, dócil - para justificar o outro ser forte – provedor, agressivo, frio, intolerante, reiterando assim a cultura patriarcal e sexista e garantindo a assimetria entre os gêneros. Tal assimetria justifica desigualdades e exclusões e gera pólos de opressores e oprimidos, que se manifestam com maior visibilidade nas relações de gênero no espaço privado através do fenômeno universal da violência, que atinge de forma particular mulheres de diferentes partes do mundo e perpassa etnias, raças e classes sociais.
[...]
O desafio de romper o esquema binário, em que o masculino e o feminino se constroem na oposição um ao outro, tem sido desafiante para o movimento feminista, que se propõe a desmontar um esquema construído numa lógica patriarcal que dificulta a percepção e construção de mundo de outras formas. Algumas das estudiosas do feminismo, a exemplo de Joan Scott, se apropriam de teorizações pós-estruturalistas da desconstrução, como a de Derrida - para o qual o pensamento ocidental vem operando na base de princípios expressados pela hierarquização de pares opostos - para pensar as relações de gênero.
A proposta de desconstrução é, pois, a de desmontar a lógica das oposições binárias do pensamento tradicional, evidenciando que estas são históricas e socialmente construídas, e rejeitar o caráter fixo e permanente da oposição binária de uma historicização genuína em termos de diferença sexual, dando visibilidade aos sujeitos diferentes. A descontrução da polaridade masculino/feminino poderá ser útil para desmontar a lógica binária que rege outros pares de conceitos a ela articulados, tais como público/privado produção/reprodução, cultura/natureza etc. No processo de desconstrução, é necessário atentar para o fato de que o oposto da igualdade é a desigualdade, ao invés da diferença. Ao lado da proposta de desconstrução, está a de construir a lógica da diferença como elemento positivo, pautado na identidade e sem a desigualdade, considerando a diferença dos termos, mas mostrando que um está presente no outro, e portanto, ambos podem ser equivalentes. As diferenças entre homens e mulheres, ao se afirmarem, rompem a unidade, impossibilitando a existência de uma identidade masculina e de uma outra identidade feminina. Elementos como classe, etnia, religião, idade etc. atravessam a pretensa unidade de cada elemento do par, transformando em múltiplo o sujeito masculino ou feminino pensado no singular.
Após a leitura do texto, responda às questões.
3. O que você entende sobre a condição bipolarizada do sexo? Justifique.
4. Como Platão, Rousseau e Kant consideram a mulher em suas obras? Em que isso contribui para a exclusão da mulher?
5. Qual a relação dos brinquedos infantis e a exclusão da mulher?
6. Explique o que significa a proposta de desconstrução sugerida no texto.
IBGE divulga resultados de estudo sobre cor ou raça
O estudo “Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça” (PCERP) coletou informações em 2008, em uma amostra de cerca de 15 mil domicílios, no Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal. Entre os resultados, destaca-se o reconhecimento, por 63,7% dos entrevistados, de que a cor ou raça influencia na vida.
Entre as situações nas quais a cor ou raça tem maior influência, o trabalho aparece em primeiro lugar, seguido pela relação com a polícia/justiça, o convívio social e a escola.
Dos entrevistados, 96% afirmam saber a própria cor ou raça. As cinco categorias de classificação do IBGE (branca, preta, parda, amarela e indígena), além dos termos “morena” e “negra”, foram utilizadas.
Entre as dimensões da própria identificação de cor ou raça, em primeiro lugar vem a “cor da pele”, com 74% de citações, seguida por “origem familiar” (62%), e “traços físicos” (54%). A íntegra do estudo está disponível em:
www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/caracteristicas_raciais/default_raciais.shtm
Influência da cor ou raça na vida é reconhecida por 63,7% dos entrevistados
Mais da metade dos entrevistados (63,7%) pela PCERP disseram que a cor ou raça influencia a vida das pessoas. Entre as unidades da federação pesquisadas, o maior percentual de resposta afirmativa foi registrado no Distrito Federal (77,0%) e o menor, no Amazonas (54,8%). As mulheres apresentam percentual maior do que os homens: 66,8% delas disseram que a cor ou raça influenciava, contra 60,2% deles. Na divisão por grupos etários, os maiores percentuais de resposta afirmativa ficaram com as pessoas de 25 a 39 anos (67,8%), seguidas pelas pessoas de 15 a 24 anos de idade (67,2%). Os dois grupos se alternam na liderança desse quesito em todos os estados, mas no Distrito Federal o destaque é do grupo de 40 a 59 anos, com 79,5%.
Trabalho é citado como a situação mais influenciada por cor ou raça
Sobre situações em que a cor ou raça influencia a vida das pessoas no Brasil, em primeiro lugar aparece “trabalho”, resposta que foi dada por 71% dos entrevistados. Em segundo lugar aparece a “relação com justiça/polícia”, citada por 68,3% dos entrevistados, seguida por “convívio social” (65%), “escola” (59,3%) e “repartições públicas” (51,3%).
O Distrito Federal se destacou com os maiores percentuais de percepção da influência da cor ou raça em quase todas as situações citadas, tais como “trabalho” (86,2%), “relação com justiça/polícia” (74,1%), “convívio social” (78,1%), “escola” (71,4%) e “repartições públicas” (68,3%). Apenas em “casamento”, a Paraíba ficou com 49,5% contra 48,1% do DF.
96% dos entrevistados afirmam saber a própria cor ou raça
Dos entrevistados, 96% afirmam que saberiam fazer sua autoclassificação no que diz respeito a cor ou raça. Ao ser indagada a cor ou raça (com resposta aberta), 65% dos entrevistados utilizaram uma das cinco categorias de classificação do IBGE: branca (49,0%), preta (1,4%), parda (13,6%), amarela (1,5%) e indígena (0,4%), além dos termos “morena” (21,7%, incluindo variantes “morena clara” e “morena escura”) e “negra” (7,8%). Entre os estados, o Amazonas se destacou com o menor percentual de respostas para cor “branca” (16,2%) e a maior proporção de uso do termo “morena” (49,2%). Já o maior percentual da resposta “negra” foi no Distrito Federal (10,9%), onde as respostas “branca” e “parda” tiveram proporções iguais (29,5%).
Comparando a classificação de cor ou raça do entrevistado feita por ele mesmo (autoclassificação) e a atribuída pelo entrevistador (heteroclassificação), observou-se um nível de consistência significativamente alto, com exceção para o caso da categoria “morena”, mais usada pelo entrevistado (21,7%) do que pelo entrevistador (9,3%). Essa discordância foi maior na Paraíba, onde 45,7% dos entrevistados se autoclassificam como “morenos”, mas o termo só foi usado pelos entrevistadores em 4,3% dos casos.
Cor da pele é dimensão mais citada para definir cor ou raça
Entre as dimensões de identificação oferecidas aos entrevistados, em relação à auto-identificação de cor ou raça, a que mais aparece é a “cor da pele”, citada por 74% dos entrevistados. Seguem “origem familiar” (62%) e “traços físicos” (54%). Já na identificação das “pessoas em geral”, a dimensão mais citada foi a “cor da pele” (82,3% dos entrevistados), seguida de “traços físicos (cabelo, boca, nariz, etc.)” (57,7%) e “origem familiar, antepassados” (47,6%).
Pesquisa abordou diversos elementos de identificação
As entrevistas foram feitas com uma pessoa de 15 anos ou mais de idade por domicílio, selecionada aleatoriamente. A pesquisa abordou a identificação do entrevistado a partir de uma pergunta aberta (autoclassificação), sondando algumas dimensões que compõem a identificação de cor ou raça para “as pessoas em geral” e para o próprio entrevistado (cultura, traços físicos, origem familiar, cor da pele etc.). Também perguntou sobre a origem familiar (africana, européia, do Oriente Médio, entre outras) e se o entrevistado se reconhecia com uma série de alternativas de identificação (afro-descendente, indígena, amarelo, negro, branco, preto e pardo), além de levantar informações sobre educação e inserção ocupacional do pai e da mãe da pessoa entrevistada. Muitas perguntas permitiram respostas múltiplas. Em paralelo à autoclassificação, o entrevistador atribuía uma cor ou raça ao entrevistado com uma pergunta aberta (heteroclassificação). Finalmente, a pesquisa abordou a percepção da influência da cor ou raça em alguns espaços da vida social.
fonte: www.ibge.gov.br
A questão das cotas
Começamos com a opinião do jornalista, Luis Carlos Azenha.
O FALSO ARGUMENTO NA QUESTÃO DAS COTAS
No Brasil, neste momento, trava-se um debate sobre as cotas para negros. Há os que querem que elas sejam impostas pelo governo federal. E os que as rejeitam completamente, argumentando que as cotas deveriam ser sociais, não raciais, e que não devemos "racializar" o debate, que essa "racialização" é um importação indevida de modismos dos Estados Unidos e que só vai aprofundar a cisão racial no Brasil.
Eu diria a vocês que essa "racialização" já existe. E que muitos dos que se opõem a qualquer tipo de ação afirmativa na verdade acabam defendendo a manutenção de um status quo injusto, em que a mulher negra está na escala mais baixa da pirâmide que tem no topo os homens brancos.
Pessoalmente acho que as cotas não devem ser impostas de cima para baixo, pelo governo federal, como se fossem a cura para todos os males. Acredito em ações afirmativas de baixo para cima, adotadas por instituições públicas e privadas, no feitio do que já fazem diversas universidades brasileiras.
[...]
... não faltam, hoje, aqueles que acreditam que basta investir na educação para superar o verdadeiro abismo de renda que existe entre os homens brancos e as melheres negras na sociedade brasileira.
Quando eles dizem que é um risco "racializar" o debate estão brandindo um argumento falso. Por mais que a gente disfarce a sociedade brasileira é "racializada", com os homens brancos no topo e as mulheres negras na base da pirâmide de renda, de acordo com números do IPEA. Estou entre os que acreditam que o estado brasileiro deve fazer algo a respeito.
Disponivel em:
http://www.viomundo.com.br/opiniao/o-falso-argumento-na-questao-das-cotas/acesso em 28 jun. 2011. (fragmento)
Jovens integrantes do Programa Ações Afirmativas na UFMG, Observatório da Juventude da UFMG, Conexões de Saberes + Escola Aberta, bem como de cursos pré-vestibulares comunitários, como Educafro, que formam o MOVIMENTO AFIRMANDO DIREITOS, escrevem:
Dizemos SIM ÀS COTAS RACIAIS, porque não acreditamos no mito da democracia racial. A discriminação, racial ou étnica, ocorre combinada com a discriminação de classe, mas não pode ser reduzida a esta, e deve haver medidas específicas para a reparação e garantia de direitos da população negra. Tendo em vista vários dados estatísticos (IBGE, IPEA) que comprovam que a população negra brasileira ocupa um espaço subalterno em relação à população branca de nossa sociedade, queremos um lugar que é de direito: a UNIVERSIDADE! Queremos que as crianças brasileiras tenham, nos próximos anos, referência em profissionais que se assemelham a elas. Queremos que as/os jovens negras/os que sonham em ser médicas/os, artistas, professoras/es, cientistas, engenheiras/os, cientistas sociais, matemáticas/os, dentre outras possibilidades que a UFMG oferece, tenham direito de o serem. Queremos a entrada das/os jovens negras/os e pobres na universidade, AGORA! Queremos alterar o ciclo de construção de saberes hegemônicos, que nega a diversidade dos saberes populares, negando a realidade complexa, plural e diversa da população brasileira! Não dá para segregar mais uma geração!
Queremos:
Cotas para estudantes negras/os e estudantes oriundas/os de escola pública.
Políticas e investimentos públicos para a permanência das/os estudantes cotistas.
Pela inclusão da proposta de cotas raciais na pauta do Conselho Universitário da UFMG.
fonte: http://www.ufmg.br/inclusaosocial/?p=52
Propomos agora a leitura da conclusão da dissertação de mestrado de Ludmila da Matta (Universidade Estadual do Norte Fluminense):
Leia o fragmento da reportagem que Cláudia Izique escreveu para o jornal Valor Econômico sobre a questão das cotas:
Cotas, uma complicação
19/12/2008
Apesar de carregado de boas intenções, o projeto de lei que reserva 50% das vagas nas instituições federais de ensino superior para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas, aprovado em novembro pela Câmara dos Deputados, é alvo de duras críticas. "O projeto confunde inclusão social e ação afirmativa com política de cotas", diz Leandro Tessler, coordenador executivo da Comissão de Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Folha Imagem
A demanda tem um componente de auto-exclusão: muitos não se sentem preparados para a disputa de vagas em universidades consideradas de acesso mais difícil
A proposta, que já está sendo avaliada pelo Senado, combina uma política universalista, ao propor cotas sociais, com um viés étnico-racial, na tentativa de democratizar o acesso às instituições públicas. Prevê que metade dessas vagas deverá ser ocupada por estudantes autodeclarados negros, pardos e indígenas, e a outra metade, por aqueles oriundos de famílias com renda de até um salário mínimo e meio por pessoa. "Em educação, os indicadores mostram que o corte é social", argumenta o deputado e ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza (PSDB-SP), autor da emenda que contemplou grupos sócio-econômicos menos favorecidos e que foi acatada às vésperas da votação, por acordo entre parlamentares. "No Brasil, há uma sobredeterminação da questão racial pela questão social."
A cota de 50% das vagas, na avaliação de Tessler, é arbitrária e parece até cabalística. No Estado de São Paulo, por exemplo, 89% dos alunos concluem o ensino médio em escolas públicas. A proporção sugerida, assim, está longe do que poderia ser considerado um estado de equilíbrio - no caso, impensável.
Folha Imagem
Deputado Paulo Renato Souza, autor da emenda que contemplou grupos sócio-econômicos menos favorecidos: "No Brasil, há uma sobredeterminação da questão racial pela questão social"
Pior que isso: a cota de vagas reservadas para esses estudantes nas universidades públicas pode ser superior à demanda. No vestibular da Unicamp, por exemplo, o percentual médio de alunos egressos de escolas públicas que disputam vagas é, historicamente, de 30%. "Em cursos como o de medicina, a taxa média é de 20%", sublinha. Há, portanto, o risco de que uma proporção desequilibrada viole o princípio do mérito, que pauta as relações acadêmicas, comprometendo a excelência do ensino e da pesquisa. "Uma política de inclusão tem que levar em conta a demanda. É complicado tentar criar competência pela força da lei", diz.
O percentual de demanda, abaixo da cota fixada pela Câmara dos Deputados, tem, é claro, um componente de auto-exclusão, já que muitos não se sentem preparados para a disputa de vagas em universidades consideradas de acesso mais difícil, não têm tempo para se dedicar aos estudos, nem interesse em pesquisa. Mas há que se levar em conta também o efeito do Programa Universidade para Todos (ProUni), que oferece bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes em instituições privadas. Criado em 2004 pelo governo federal, o ProUni já atendeu 385 mil alunos, a grande maioria deles matriculados em cursos profissionalizantes. "Os cursos da Unicamp são de formação e nem todos estão dispostos a enfrentar esse desafio", observa o coordenador da Comvest.
Tessler teme ainda que, se o projeto de lei for aprovado, a política de cotas sociais e étnico-raciais contamine de forma negativa a própria escola pública, induzindo-a a reduzir seu esforço de capacitação, já que os seus alunos poderão entrar na disputa por vagas concorrendo em "faixa própria". "Há o risco de as escolas públicas nivelarem seus alunos por baixo", adverte.
Pesquisa realizada por Nelson Cardoso Amaral, do Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás (UFG), a pedido da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), colocou em xeque o mito de que a maioria dos alunos das universidades públicas estudava em escolas privadas. E isso em 1997, quando ninguém pensava em política de inclusão social, antes mesmo de o projeto de lei de cotas, da deputada Nice Lobão (DEM-MA), o PL 73/99, começar a tramitar na Câmara dos Deputados.
Na época, Amaral constatou que as proporções para os dois grupos eram muito semelhantes. Nos cursos de matemática e letras, por exemplo, a maioria - 67% e 62%, respectivamente - tinha freqüentado escola pública. Nos cursos de medicina, odontologia e engenharia civil, a relação era inversa. "Só não encontramos proporcionalidade nos cursos mais concorridos."
Em 2004, quando a UFG começou a arquitetar seu sistema de cotas, Amaral reproduziu a pesquisa com os alunos da universidade, e os resultados foram idênticos. A Federal de Goiás destina 20% das vagas a alunos de escolas públicas e a negros. "Esses alunos agarram-se aos cursos e conseguem ter um desempenho parecido com os que estudaram em escola privada. Mas o grande desafio é fazer com que, por razão de trabalho, não abandonem a escola."
Amaral endossa o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, mas lembra que o sucesso dessa política depende também de recursos federais para a manutenção de programas como bolsa-permanência, monitorias remuneradas, além de subsídio à refeição, à moradia e aos transportes. "Na UFG, que tem um campus longe da cidade, estamos construindo uma casa para abrigar 150 alunos." A expectativa é oferecer também vale-refeição, que será utilizado no restaurante do campus, e uma bolsa de meio salário mínimo. "Aí sim, o problema estará resolvido."
Antes mesmo da aprovação da lei, algumas universidades públicas iniciaram experiências bem sucedidas de democratização do acesso, sem lançar mão do sistema de cotas. A própria Unicamp, por exemplo, instituiu em 2004 um Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (Paais), uma espécie de bônus no vestibular, que beneficia com 30 pontos os egressos de escolas públicas e com mais 10 pontos os candidatos negros e índios. Esse bônus é aplicado sobre um referencial de 500 pontos, atribuído à media do desempenho de todos os alunos em cada prova.
O Paais foi elaborado com base num estudo revelador feito por pesquisadores da universidade: os estudantes provenientes de escolas públicas tinham maior potencial acadêmico do que os das escolas privadas. A mesma metodologia tem sido adotada no acompanhamento semestral dos alunos - condição exigida pela universidade para a implantação do programa - e os resultados são semelhantes. Já no primeiro ano de implantação do Paais, o percentual de alunos de escolas públicas cresceu de 29% para 34%, sobretudo nos cursos de maior demanda, e a admissão de negros, pardos e índios aumentou 44%. "Tem gente que acha que é papel da universidade promover a inclusão social. Nós achamos que o objetivo é atrair jovens talentosos, tanto que realizamos o vestibular em 20 cidades em nove estados, e garantir sua diversidade", diz Tessler.
Apostando no sucesso do programa, a universidade adotou uma série de iniciativas para aproximar-se desses potenciais candidatos e reduzir risco da auto-exclusão. Em janeiro, por exemplo, 100 alunos de escolas públicas farão estágios nos laboratórios da Unicamp. "A intenção é que eles percebam que são capazes de fazer ciência e tecnologia", explica Tessler. A grande maioria termina o período de estágio "extremamente motivada".
A Universidade de São Paulo (USP) adotou, em 2006, um programa semelhante ao da Unicamp, o Inclusp, por meio do qual confere um bônus de 3% nas notas das duas fases do vestibular para alunos de escolas públicas. Um ano depois, a participação desses alunos no conjunto das matrículas cresceu de 24,7%, em 2006, para 26,7%. No desempenho geral dos alunos da USP, a nota média da turma do Inclusp, de 6,3, foi superior à de 6,2 dos demais estudantes.
O primeiro projeto de lei sobre sistemas de cotas começou a tramitar na Câmara em 1999, e tinha como base coeficientes de renda. Em 2004, foram apensados à proposta da deputada Nice Lobão outros sete projetos, entre eles o da senadora Ideli Salvati (PT-SC) que propunha sistema de cotas para negros e índios - e que, tendo sido aprovado na Constituição de Comissão e Justiça do Senado, foi remetido para a Câmara - e até o que instituía cotas para idosos. "A proposta aprovada em novembro foi um substitutivo que resultou de um acordo e estava para ser votada desde 2006", lembra a deputada. No Senado, o projeto terá como relatora a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) e tramitará como projeto de lei iniciado na Câmara (PLC) nº 180.
Fonte: Jornal Valor Econômico de 19.12.2008
7. Observe o gráfico do percentual do rendimento da mulher em comparação ao rendimento do homem - Janeiro / 2008 - e relacione-o com as informações do texto.
a) Qual das cidades citadas no gráfico apresenta maior diferença de rendimento entre homens e mulheres:
b) Qual a cidade em que a diferença de rendimento é menor?
c) Estabeleça uma relação entre o gráfico do percentual de rendimento da mulher em comparação ao rendimento do homem com o texto "Gênero e exclusão social".
8. Posicione-se diante do texto "Gênero e exclusão social". Você concorda? Argumente.
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