A Líbia pós-Gaddafi
Pio Penna Filho*
O regime de Muammar Gaddafi chegou ao fim. Embora ainda persistam focos de resistência aqui e acolá, em Trípoli e em algumas outras cidades do país, já se chegou ao ponto em que é impensável uma restauração do governo. Importa agora, tanto para os líbios quanto para a comunidade internacional, pensar no futuro.
O futuro da Líbia depende em grande medida da capacidade das lideranças políticas líbias em conseguir estabelecer um governo de coalizão das diversas forças que compõem o chamado Conselho Nacional de Transição. Caso sejam bem sucedidos em costurar uma aliança política que contemple os diversos interesses em jogo, é possível pensar num futuro político mais estável para o país.
Mas é preciso considerar que existem outros fatores que podem impedir ou dificultar a reconstrução e a paz na Líbia e que vão além dessa complexa missão que envolve uma verdadeira obra de engenharia política.
Não sabemos ainda até que ponto os aliados de Gaddafi estão dispostos a resistir. Pode ocorrer, por exemplo, que grupos insurgentes desestabilizem o país por um bom período de tempo, justamente como ocorreu no Iraque após a derrubada do regime de Saddam Hussein. Vale lembrar que a paz e a estabilidade não fazem parte do cotidiano do Iraque.
Outro aspecto muito importante tem a ver com os interesses estrangeiros no petróleo líbio. Os principais parceiros comerciais e os maiores investidores na indústria petrolífera local são europeus. Os mesmos europeus que coordenaram os ataques da OTAN contra as tropas e instalações governamentais do regime de Gaddafi. Todos sabemos que não foi – na verdade, não está sendo – uma operação barata. Esse custo certamente será cobrado das novas autoridades que sucederãoo regime deposto.
Aliás, é bom que se diga que sem a ajuda ocidental com os bombardeios diários a alvos militares e não-militares, assim como com o fornecimento de material bélico, de logística e informações e até mesmo o envio de tropas especiais, dificilmente os rebeldes teriam chegado onde chegaram.
Assim, é possível que os interesses ocidentais possam inclusive colidir com os interesses nacionais daqui para frente. Isso porque ninguém sabe exatamente qual é a plataforma política dos novos donos do poder na Líbia. É difícil acreditar que essas novas lideranças tenham feito tanto esforço para simplesmente entregarem o comando do país aos interesses estrangeiros.
No caso particular do Brasil, a perspectiva também não é das melhores, mas por outras razões. A diplomacia brasileira tem agido com extrema cautela no reconhecimento dos rebeldes como representantes legítimos do povo líbio, o que tem causado descontentamento em expoentes do Conselho Nacional de Transição. Esse atraso vem justamente num momento em que os investimentos e negócios brasileiros estavam em franco processo de expansão na Líbia.
Há, portanto, muitas indefinições que cercam o futuro do país. Que o regime de Gaddafi já virou história, isso é fato. Mas o futuro da Líbia ainda é uma grande incógnita.
*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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