A França que não pede desculpas
Pio Penna Filho
François
Hollande, presidente francês, esteve recentemente em Argel, capital da Argélia.
Poderia ser apenas mais uma visita corriqueira de um Chefe de Estado a um país
amigo para estreitar os laços bilaterais, promover o comércio e ampliar o
entendimento político, como fazem com grande frequência os Chefes de Estado e Ministros
das Relações Exteriores. Mas no caso das relações entre a França e a Argélia,
há um certo “passivo histórico” que não pode ser esquecido e que faz com que as
relações bilaterais tenham contornos muito especiais.
Isso porque a
França foi, por mais de um século, a metrópole que subjugou o território que
hoje se chama Argélia. A dominação francesa seguiu uma espécie de roteiro
tradicional das potências colonialistas europeias na África, ou seja, tomou as
melhores terras das populações locais e as entregou para os franceses,
superexplorou o trabalho dos autóctones e os subjugou de todas as formas
possíveis, tudo em nome dos interesses franceses.
Além disso,
uma peculiaridade da Argélia no conjunto das colônias francesas na África foi o
fato de que o território, além de uma colônia de exploração, ter sido também
uma colônia de povoamento, tendo a população francesa e seus descendentes
atingido a marca de aproximadamente um milhão de habitantes.
À medida que
se aproximava o tempo da descolonização, logo após a Segunda Guerra Mundial, as
tensões entre os argelinos e os franceses foi se intensificando até um ponto de
ruptura violenta, com o início da guerra de independência em 1954. Aliás, nesse
mesmo ano os militares franceses foram expulsos da Indochina e saíram de lá
determinados a não perder essa outra guerra independentista que se iniciava no
norte da África.
Os argelinos,
por sua vez, estavam determinados a conquistar a sua independência, custasse o
que custasse. E, sem dúvida, isso custou muito caro. A guerra de descolonização
da Argélia foi uma das mais violentas que se tem notícia. Os números falam por
si: cerca de 300 mil argelinos pereceram, contra 30 mil franceses.
Mas a violência dessa guerra não
pode ser medida “apenas” pelo elevado número de mortos. Os franceses executaram
uma doutrina que colocaria qualquer defensor dos direitos humanos de olhos
arregalados e cabelos arrepiados, num período em que já vigorava a famosa
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Assim, na
guerra da Argélia o Exército regular da civilizada e democrática França usou e
abusou da tortura como instrumento de guerra, deportações em massa, além de
evitar ao máximo fazer prisioneiros, ou seja, praticou um verdadeiro extermínio
que não afetava apenas os insurgentes propriamente ditos, senão a maior parte
da população argelina.
A
independência argelina só se concretizou porque a sua população estava engajada
numa causa justa e aceitou pagar o seu elevado preço, medido em sangue e morte.
Em 1962, por meio dos acordos de Evian, os franceses finalmente se retiram e a Frente de Libertação Nacional decreta o
nascimento do novo país.
A brutalidade
da guerra deixou marcas profundas nas relações entre França e Argélia. É por
isso que sempre há um certo desconforto quando presidentes franceses visitam o
país. Hollande não precisava ter dito que não iria pedir desculpas, o que aliás
em nada mudaria a História. De toda forma, não apenas a França, mas todas as
antigas potências colonialistas devem, sim, desculpas aos povos que subjugaram,
brutalizaram e exploraram em nome de uma descabida missão civilizatória.
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Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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