quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ditadura de mercado?

Ditadura do Mercado?

Pio Penna Filho*

A crise europeia tem nos proporcionado um momento especial para observarmos o comportamento humano. Muito se tem falado e noticiado sobre a crise que afeta as economias da Europa e dos Estados Unidos e uma expressão tem ganhado força ultimamente, sobretudo nas manifestações populares europeias: “ditadura do mercado”.

Crise provocou perdas de 300 mil milhões

Os europeus, decepcionados com as suas lideranças políticas, que de fato conduziram as suas sociedades em direção à crise, se voltaram simultaneamente contra os governos e contra o que chamam da “ditadura do mercado”.

Com relação aos governos a boa democracia tem funcionado bem. Já caíram os governos de Portugal, da Grécia, da Itália e da Espanha. O espectro da crise e, consequentemente, do desgaste político agora ronda a França e pode logo chegar à Alemanha. Parece um efeito dominó.

Boa parte das economias da Europa estão conectadas de uma forma que praticamente não existe zona livre da crise. Para um observador à distância a sensação que se tem é que quem está em crise, ao invés de ser resgatado, tem contribuído para que outros naufraguem junto. Fracassaram todas as medidas até agora tentadas. Outro aspecto identificável é que as autoridades econômicas tem demonstrado uma grande dificuldade em sintonizar o discurso e identificar um caminho consensual.

Em meio à crise e sem sinais claros de que o cenário mude no curto ou no médio prazo, a população tem dado mostras de cansaço com os seus respectivos governos. Também não era para se esperar algo muito diferente. Todas as reformas até agora propostas afetam principalmente os trabalhadores, os servidores públicos e os aposentados. E há ainda o drama do desemprego. Na Espanha, caso mais grave até o momento, um pouco mais de 20% da população está desempregada.

Como a simples mudança de governos não resolve imediatamente o problema, a insatisfação da população tende a aumentar. Aliás, os novos governos estão recebendo um verdadeiro presente de grego, haja vista que administrar sem recursos e ainda por cima ter que aplicar medidas restritivas significa produzir impopularidade e descontentamento.

É justamente nesse contexto que setores das sociedades europeias lançaram o slogan da “ditadura do mercado”, ou seja, uma referência clara de que nem as políticas até agora adotadas e nem as perspectivas com os novos governos são capazes de levar a uma superação relativamente rápida da crise. Sentem-se agora ameaçados pela suprema vontade do “mercado”.

Ora pois, como é interessante observar que poucas décadas atrás, quando eram as economias latino-americanas que estavam subjugadas pela crise econômica e financeira e devidamente enquadradas pelos esquemas do Banco Mundial, do FMI e do Clube de Paris, ninguém no Norte se lembrou de questionar os impactos negativos da tal “ditadura do mercado” que pairava sobre as nossas cabeças. Éramos vistos como incompetentes, gastadores, ineptos, desregrados. A receita de então era clara: ajuste fiscal, redimensionamento do Estado, corte nos gastos sociais, contenção salarial e coisas do gênero. Agora chegou a vez de experimentarem um pouco do seu próprio veneno. Como se diz: a roda da história não para de girar nunca.



*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

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