quarta-feira, 13 de abril de 2011

Com as portas fechadas

Portas Fechadas

Pio Penna Filho

A França dá, de novo, uma demonstração de sua disposição em manter uma política de portas fechadas com relação ao acesso de pessoas de outras regiões do mundo ao seu mercado. A preocupação dos franceses agora é com o fluxo migratório proveniente dos países em conflito no Norte da África, especialmente da Líbia e da Tunísia. Mas essa parece ser apenas uma justificativa para o endurecimento político contra a imigração.

O diferencial do momento é que os franceses estão questionando acordos assinados no âmbito da União Europeia, mais especificamente o Tratado de Schengen, que criou regras para a livre circulação de pessoas na Europa. Alegam que imigrantes entram por outros países e acabam se dirigindo para território francês, como foi o caso recentemente de líbios e tunisianos, que entraram pela Itália e foram barrados ao tentar chegar à França.

A roda da história não para mesmo de girar. Não faz tanto tempo assim os europeus e, especialmente os franceses, despejaram multidões de brancos nos territórios do Norte da África, tomando as melhores terras dos habitantes locais e determinando sua vida econômica, política, social e cultural.

Na era do colonialismo prevaleceu a vontade do mais forte. Os franceses ocuparam parte do que é hoje o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e o Djibuti, para ficarmos apenas na região conhecida com Maghreb. Quando se retiraram, deixaram territórios modificados, explorados e pouco ou quase nada desenvolvidos. Os africanos do norte tiveram que se virar.

Mudaram-se os tempos e a Europa é outra. Mas o passado não costuma nos abandonar assim tão facilmente. À parte a proximidade geográfica, que inevitavelmente serve como um atração natural nas correntes migratórias, a presença europeia na região criou também laços sociais e culturais entre os dois lados do Mediterrâneo que reforçam suas já antigas conexões.

Ademais, é preciso considerar que a Europa não tem como restringir completamente a entrada de imigrantes. Além da inviabilidade prática de impedir o fluxo de pessoas, há ainda a necessidade dessa mão de obra para diversas economias europeias. A França, por exemplo, recebe a cada ano entre 150 e 200 mil imigrantes provenientes de países não comunitários. E a maior parte dessas pessoas acaba sendo absorvida pela economia francesa, sobretudo em atividades não desejadas até mesmo pelos desempregados europeus.

Há, portanto, um déficit de mão de obra nas maiores economias europeias. O problema é que, quando consideramos a tendência migratória que envolve uma quantidade muito de grande de países e, consequentemente de pessoas, chegamos à conclusão que a procura por emprego e melhores condições de vida é muito maior do que a oferta e que a capacidade de absorção por parte dos países europeus.

A pressão para se chegar ao espaço econômico da Europa é grande e, de fato, o problema que os europeus tem que administrar em termos de fluxos migratórios é complexo. Mas não podemos esquecer que em parte esse problema deriva da própria política de expansão europeia que, em tempos históricos não tão distantes assim, conduziu de maneira determinante a vida de milhares de pessoas no além-mar.


Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com


Portugal em apuros

Pio Penna Filho

Portugal está enfrentando uma de suas piores crises desde a Revolução dos Cravos, ocorrida em 1974. Após anos de má gestão financeira e de gastos descontrolados, a crise econômica se instalou no país ibérico, pouco tempo depois das crises na Grécia e na Irlanda. Não há saída indolor para a crise e isso tem movimentado as relações entre a sociedade e o Estado no país.

Ocorre que a sociedade portuguesa se acostumou com uma situação econômica relativamente confortável após a entrada de Portugal na União Europeia. Muitos recursos comunitários foram investidos nos membros mais atrasados da UE, como Portugal, Espanha e Grécia. O objetivo era promover a modernização e o desenvolvimento desses países para que não ficassem muito atrás dos demais estados-membros.

Houve melhoras na infraestrutura, investimentos em diversos setores produtivos e relativa modernização da burocracia estatal. Mas os investimentos foram insuficientes para promover o crescimento sustentável da economia portuguesa, com diversificação de atividades econômicas.

Além disso, sucessivos governos portugueses não se atentaram para o equilíbrio fiscal e o controle dos gastos públicos. O resultado foi a ilusão do crescimento, ou melhor, do enriquecimento rápido e fácil. Já assistimos a quadro semelhante na vizinha Argentina.

Hoje os portugueses estão hoje acertando as contas com o passado recente. O socorro à economia virá, mas a conta será cobrada. A economia já está em crise e o governo tem dificuldades políticas para conduzir o processo de reestruturação econômica do Estado.

A população portuguesa já está sofrendo os efeitos da crise. Taxas elevadas de desemprego, reduzido nível de atividade econômica e comercial e impactos diretos na renda dos trabalhadores. O servidores públicos, os aposentados e os trabalhadores sem qualificação são, por enquanto, os mais afetados. Mas mesmo os profissionais qualificados não serão poupados da crise.

O Brasil já registrou um aumento no pedido de vistos permanentes de portugueses que buscam trabalho por aqui. Assim, é possível que estejamos assistindo ao início da inversão do fluxo migratório. Até bem pouco tempo atrás muitos brasileiros iam para Portugal em busca de melhores salários e melhores condições de vida.

Será muito interessante observar essa reviravolta. Vale lembrar que muitos, mas muitos brasileiros, foram mal tratados e praticamente escorraçados de Portugal enquanto durou a ilusão do enriquecimento. E agora? Como serão os portugueses tratados no Brasil?

Temos um histórico de boa receptividade para com os portugueses, mas ainda é cedo para avaliar se ficaram mágoas coletivas pelo tratamento dispensado aos brasileiros em Portugal durante a década de 1990. O fato é que, se formos aplicar a reciprocidade, a vida dos portugueses por aqui não será nada fácil.



Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

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