sexta-feira, 19 de junho de 2015

Confira o artigo do professor Pio Penna

O Brasil e as “Cláusulas Democráticas”

Pio Penna Filho*


A democracia pode possuir vários significados, dependendo dos interesses de quem a defende. Com o fim da Guerra Fria, logo após o colapso do mundo “socialista”, observamos uma renovada “onda” democrática, que passou a balizar a inserção internacional de muitos Estados. Ou seja, aquele país que não apresenta pelo menos um verniz democrático passou a ser visto como uma espécie de pária internacional.
Nesse contexto de “onda” e democrática, o Brasil inseriu a democracia como uma espécie de pré-requisito para se relacionar plenamente com outros países que desejassem algum tipo de sociedade, como nos casos de dois esquemas de integração/cooperação dos quais o Brasil participa ativamente: o Mercosul e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Em ambos os blocos existe a chamada “Cláusula Democrática” que, resumindo a ópera, estabelece que um país só pode participar do bloco se for um regime democrático (que contemple a “plena vigência das instituições democráticas”, no caso do Mercosul).
O interessante nesse caso é que a definição de “regime democrático” não está claramente colocada, podendo o país ser um pouco democrático ou simplesmente democrático. O problema é quando o país é apenas “um pouco democrático”.
No caso do Mercosul, o Brasil foi com força total contra o Paraguai quando do episódio do impeachment do ex-presidente Fernando Lugo. Naquela ocasião, Brasil e Argentina, com a conivência do Uruguai, tanto fizeram que o Paraguai foi suspenso do Mercosul em nome da cláusula democrática, tudo justamente para contemplar a entrada da Venezuela no bloco, decisão que estava sendo protelada pelo Paraguai.
Contraditoriamente (e ironicamente), entretanto, o Brasil fecha completamente os olhos para o que está acontecendo na Venezuela hoje. Nesse país a oposição não tem vez. Quem levanta a voz contra o governo tem grandes chances de ir parar na cadeia (existem vários casos) ou é severamente reprimido em manifestações públicas. A cláusula democrática praticamente desapareceu. Ninguém mais lembra desse instrumento jurídico para pressionar ou mesmo suspender a Venezuela do Mercosul, como deveria ser.
Já na CPLP aconteceu algo parecido. Os membros da Comunidade jogaram a cláusula democrática no lixo ao aprovarem a entrada da Guiné Equatorial como membro pleno do bloco, em 2014. Nem mesmo o mais criativo dos políticos ou diplomatas – ou mesmo advogados – consegue enquadrar o país como um regime democrático. Para arranjar isso, só fazendo mágica.  
Ao final, a lição é clara, ou seja, no caso do Brasil, o nosso governo não está em nada preocupado com a essência da democracia, e a cláusula democrática é empregada apenas como instrumento de pressão contra aqueles que não são considerados “amigos” ou “aliados” do país. Para os amigos, ao contrário, a interpretação da cláusula é bem elástica, flexível, ou pode simplesmente ser esquecida. Assim mesmo, sem mais nem menos.
É uma vergonha um país que diz valorizar os princípios democráticos agir de forma tão pragmática e casuística no cenário internacional. Isso enfraquece o Brasil e nos tira credibilidade, sobretudo do ponto vista dos valores morais consagrados em nossa Constituição.






* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

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