O Brasil e as “Cláusulas Democráticas”
Pio
Penna Filho*
A democracia pode possuir vários
significados, dependendo dos interesses de quem a defende. Com o fim da Guerra
Fria, logo após o colapso do mundo “socialista”, observamos uma renovada “onda”
democrática, que passou a balizar a inserção internacional de muitos Estados.
Ou seja, aquele país que não apresenta pelo menos um verniz democrático passou
a ser visto como uma espécie de pária internacional.
Nesse contexto de “onda” e democrática, o
Brasil inseriu a democracia como uma espécie de pré-requisito para se
relacionar plenamente com outros países que desejassem algum tipo de sociedade,
como nos casos de dois esquemas de integração/cooperação dos quais o Brasil
participa ativamente: o Mercosul e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa
(CPLP).
Em ambos os blocos existe a chamada
“Cláusula Democrática” que, resumindo a ópera, estabelece que um país só pode
participar do bloco se for um regime democrático (que contemple a “plena
vigência das instituições democráticas”, no caso do Mercosul).
O interessante nesse caso é que a
definição de “regime democrático” não está claramente colocada, podendo o país ser
um pouco democrático ou simplesmente democrático. O problema é quando o país é
apenas “um pouco democrático”.
No caso do Mercosul, o Brasil foi com
força total contra o Paraguai quando do episódio do impeachment do
ex-presidente Fernando Lugo. Naquela ocasião, Brasil e Argentina, com a
conivência do Uruguai, tanto fizeram que o Paraguai foi suspenso do Mercosul em
nome da cláusula democrática, tudo justamente para contemplar a entrada da
Venezuela no bloco, decisão que estava sendo protelada pelo Paraguai.
Contraditoriamente (e ironicamente), entretanto, o
Brasil fecha completamente os olhos para o que está acontecendo na Venezuela
hoje. Nesse país a oposição não tem vez. Quem levanta a voz contra o governo
tem grandes chances de ir parar na cadeia (existem vários casos) ou é
severamente reprimido em manifestações públicas. A cláusula democrática
praticamente desapareceu. Ninguém mais lembra desse instrumento jurídico para pressionar ou
mesmo suspender a Venezuela do Mercosul, como deveria ser.
Já na CPLP aconteceu algo parecido. Os
membros da Comunidade jogaram a cláusula democrática no lixo ao aprovarem a
entrada da Guiné Equatorial como membro pleno do bloco, em 2014. Nem mesmo o
mais criativo dos políticos ou diplomatas – ou mesmo advogados – consegue
enquadrar o país como um regime democrático. Para arranjar isso, só fazendo
mágica.
Ao final, a lição é clara, ou seja, no
caso do Brasil, o nosso governo não está em nada preocupado com a essência da
democracia, e a cláusula democrática é empregada apenas como instrumento de
pressão contra aqueles que não são considerados “amigos” ou “aliados” do país. Para
os amigos, ao contrário, a interpretação da cláusula é bem elástica, flexível,
ou pode simplesmente ser esquecida. Assim mesmo, sem mais nem menos.
É uma vergonha um país que diz valorizar
os princípios democráticos agir de forma tão pragmática e casuística no cenário
internacional. Isso enfraquece o Brasil e nos tira credibilidade, sobretudo do
ponto vista dos valores morais consagrados em nossa Constituição.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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