Reflexões sobre a Líbia
Pio Penna Filho*
A eliminação de MuammarGaddafi foi uma das notícias mais veiculadas pela mídia internacional na última semana. Sua repercussão continua, agora permeada pela pressão que organizações internacionais andam exercendo sobre o novo governo líbio para que “esclareça” as circunstâncias da morte do ex-ditador.
Todos que tiveram acesso às imagens e vídeos divulgados em diversos sítios da internet não tem dúvida que Gaddafi foi barbaramente executado. Não resta dúvida também que o mesmo fim teve um de seus filhos, MoutassimGaddafi, que aparece em vídeo fumando um cigarro enquanto aguardava o seu fatídico destino. O que houve foi, indubitavelmente, a execução sumária de ambos, assim como certamente ocorreu com diversas outras pessoas leais a Gaddafi mas que não receberam atenção especial da mídia.
Nasce a nova Líbia sob os auspícios da violência. O fim do brutal regime controlado com mão de ferro por Gaddafi por quase 42 anos não poderia ter um desfecho mais condizente com o seu histórico megalomaníaco e repressor. Todavia, não deveríamos nos acostumar tão rapidamente com tanta violência, com se normal fosse a eliminação dos opositores, por mais crápulas e cruéis que tenham sido ao longo do exercício do poder.
É curioso, no entanto, observar como as agências internacionais tem sido seletivas em buscar nos rebeldes líbios os únicos perpetradores do assassinato dos Gaddafi, como se as operações da OTAN também não tivessem propiciado a sua captura. Aliás, a OTAN possui uma verdadeira “ficha corrida” quando o assunto é a violência. A grande diferença é que a OTAN ataca de longe e sob o seguro abrigo das potências ocidentais, lançando seus mortais mísseis e bombas nem sempre contra alvos militares.
O cenário líbio ainda é muito confuso. Não há mais resistência, somente a fuga desesperada do que sobrou do círculo mais próximo de Gaddafi. Há muitas e muitas armas espalhadas pelo país e grupos de interesse que não convergem em todos os assuntos. Há relatos de perseguição contra simpatizantes do antigo regime, mesmo que não tenham se engajado na resistência contra os chamados rebeldes. O que se percebe é que se trata de um momento muito especial, uma verdadeira encruzilhada, que tanto pode levar a uma sociedade mais harmônica quanto a um contexto de perseguições e mais sofrimento.
No plano internacional, os mesmos Estados que ajudaram ou participaram ativamente dos bombardeios à Líbia se organizam para “reconstruir” o país e tirar daí as devidas vantagens (leia-se: França, Itália, Inglaterra, Estados Unidos e outros aliados). Além disso, agora resta a difícil tarefa de reconstruir institucionalmente a Líbia, dotando-a de uma nova Constituição e de um regime político que contemple uma participação popular mais ativa.
As mudanças na Líbia sinalizam para um novo começo. Quando pensamos nas transformações que estão em andamento nos vizinhos Egito e Tunísia, a região sai renovada em termos políticos com o fim de regimes desgastados que não correspondiam, já há algum tempo, com os anseios de suas respectivas sociedades. Enfim, há uma chance de ouro para que o futuro possa ser construído em bases mais humanitárias e justas.
*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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