A rede da inveja
Uma surpresa revelada por
pesquisas científicas: para muita gente, o Facebook é uma fonte permanente de
frustração e angústia
Filipe Vilicic

No clássico A Conquista da
Felicidade, de 1930, o filósofo britânico Bertrand Russell definiu um
sentimento devastador: "De todas as características da natureza humana, a
inveja é a mais desafortunada. O invejoso não só deseja a desgraça, como é
rendido à infelicidade". Russell entendia a inveja como uma emoção
universal, que hora ou outra desperta em qualquer um. Morto em 1970, ele não se
surpreenderia - pelo contrário, provavelmente acharia natural - com o fato de a
intemet, o meio de comunicação global que define nosso tempo, ser agora uma
ferramenta a instigar esse sentimento angustiante. Não é difícil entender por
que é assim. Só é possível invejar aquilo que se vê ou conhece, e a web
multiplicou o que se pode saber sobre a vida alheia. Um estudo realizado pela
Universidade Humboldt em conjunto com a Universidade Técnica de Darmstadt, ambas
na Alemanha, publicado na semana passada, é a primeira tentativa de medir
cientificamente a intensidade dessa emoção na intemet. A conclusão é espantosa:
uma em cada cinco pessoas ouvidas na pesquisa aponta o Facebook como a origem
de sua experiência de inveja. Um bilhão de pessoas, um sétimo da população
mundial, participam dessa rede social. O que fazem nela, basicamente, é colocar
fotos, contar detalhes pessoais ou simplesmente fofocar. Sabe-se, pelas
pesquisas, que parte considerável desses usuários mantém uma atitude passiva no
Facebook. Apesar de passarem muito tempo on-line, limitam-se a seguir o que é
postado por amigos que parecem ser mais felizes e saber aproveitar melhor a
vida. Nesse cenário, eles se sentem solitários, excluídos do ciclo de atividade,
felicidade e camaradagem on-line das outras pessoas. É nesse caldo de cultura
que nasce a gama de emoções angustiantes dissecadas pelos pesquisadores alemães.
O levantamento, feito com 584
usuários assíduos do Facebook, constatou que um em cada três deles se declara
frustrado e triste imediatamente após se desconectar da rede. Para três em cada
dez, o principal motivo do desgosto é a sensação de que os amigos on-line levam
uma vida melhor que a sua. No ranking elaborado pelo estudo, a inveja é o
sentimento mais frequentemente associado à frustração no Facebook. Em segundo
lugar, atingindo 19% dos entrevistados, vem a sensação de que suas publicações
não recebem atenção. Em seguida, com 10%, está a solidão. Os cientistas alemães
descreveram a emoção mais frequente, a inveja, como "uma desagradável
mistura de sentimentos por vezes doloridos, causados pela comparação com uma
pessoa ou um grupo que possui algo que queremos". Explica a VEJA Hanna
Krasnova, autora da pesquisa: "No Facebook, compartilham-se 30 bilhões de
mensagens todos os meses, e esse ambiente serve como vitrine para o narcisismo
e a supervalorização de conquistas pessoais. É natural que, ao percorrerem esse
amontoado de informações, as pessoas se comparem aos outros". O foco de
Hanna é o estudo de sistemas de informação, um campo relativamente novo da
ciência da computação.
Os pesquisadores puderam listar o
tipo de publicação que mais instiga sentimentos negativos. Em primeiro lugar
figuram comentários e fotos de viagens e de momentos de lazer. Ao ver as
imagens do turismo alegre do amigo, o solitário que navega pela web sem nunca
arredar o pé da própria casa é tomado por um sentimento de inferioridade. Em
segundo lugar está a percepção de que os posts dos amigos alcançam grande
repercussão. Em terceiro vem o paradoXal sentimento de tristeza diante da
felicidade alheia. Aos 21 anos, a paulistana Camila de Freitas está na faixa de
idade dos participantes do estudo alemão e passa o dia conferindo atualizações
no Facebook. Recentemente, ela teve uma desagradável surpresa na rede social.
"Senti uma raiva imensa quando deparei com fotos de meu ex-namorado
beijando uma menina que se dizia minha melhor amiga. Para piorar, os retratos
eram de uma viagem a Miami, cidade que sonhava em visitar com ele quando
estávamos juntos."
A infelicidade virtual nasce, muitas
vezes, de uma percepção exagerada da felicidade alheia e da própria
infelicidade. "Os usuários do Facebook tendem a selecionar e exibir na
rede apenas o melhor de sua vida", diz Hanna Krasnova. "Quem se sente
inferiorizado não percebe que o que vê não é a vida real do outro e, sim, apenas
uma versão editada de seus melhores momentos." No ano passado, período em
que estudou moda em Milão, a pemambucana Laíse Nogueira, de 24 anos, postava
fotos nas quais aparecia sorridente ao lado de colegas. "Só que o sorriso
não refletia minha real situação", conta Laíse. "Estava triste e me
sentia solitária vendo as fotos de meus amigos se divertindo no Brasil." Os
amigos brasileiros, que não sabiam disso, invejavam sua vida na Itália. É o
caso típico de o gramado do vizinho ser mais verde.
Apesar de ser estigmatizada como
um dos sete pecados mortais, a inveja não é um sentimento absolutamente
perverso. Ao contrário, desejar o que já foi alcançado por outra pessoa pode
servir de incentivo para melhorar a própria vida. Mas também pode ser o inferno
em vida, pois fomenta o rancor e a angústia. Um estudo do Instituto Nacional de
Ciência Radiológica, no Japão, revelou que a área do cérebro ativada pela
inveja é também responsável por processar sensações como a dor física. O alemão
Christian Maier, da Universidade de Bamberg, que estuda a irritação sentida por
usuários em redes sociais, disse a VEJA que "a tensão causada pela
necessidade de se adaptar às regras de um novo mundo transformou o Facebook
numa fonte de stress". No caso da inveja, forma-se um ciclo vicioso. Muitos
solitários recorrem ao Facebook, permanecem muito tempo on-line, mas interagem
pouco com os amigos virtuais. O que veem na rede social são pessoas em festas e
viagens. Isso faz com que se sintam ainda mais excluídos. A frustração os deixa
desmotivados a sair de casa e os prende ainda mais ao Facebook. É o ciclo da
rede de inveja.
O QUE PROVOCA MAUS SENTIMENTOS
Uma pesquisa mostrou as situações
que mais despertam a inveja entre os usuários do Facebook. Abaixo, os tipos de
publicação - como mensagens fotos que mais instigam a emoção
1º Viagens e momentos de lazer 56%
Uma foto diante do Coliseu ou um
comentário sobre bons momentos passados em Paris atraem o olho gordo
2º A fama virtual 14%
Alguém com poucos amigos pode se
incomodar com publicações alheias que repercutem na web. Ou seja, recebem mais "curtidas"
e comentários
3º Felicidade alheia 87%
Muitas pessoas se mordem quando
veem amigos sorrindo em fotos ou recebendo muitas mensagens de "parabéns"
no dia do aniversário
4º O sucesso
Quem é bem-sucedido na carreira, nos
estudos ou em esportes pode provocar a sensação de fracasso em outras pessoas
5º Sorte no amor 4%
Mudar o status no perfil do
Facebook de "solteiro" para "em um relacionamento sério" e
publicar fotos com cônjuge e filhos
Fonte: estudo Envy on Facebook (Inveja
no Facebook), das universidades Humboldt e Técnica de Darmstadt
Quem é o rancoroso on-line
Ele raramente publica em redes
sociais - restringe-se a observar a vida alheia - e se morde com a felicidade
de pessoas do mesmo sexo e com idade similar. As mulheres se irritam com a
beleza das amigas virtuais
JÁ NO MUNDO OFF-LINE
Os três principais motivos de
inveja são as conversas sobre viagens, o sucesso profissional e a exibição de
talento.
COM REPORTAGEM DE CAROLINA MELO E
RENATA LUCCHESI.
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